
A Rússia é um Estado imperial há mais de 300 anos. Formada como um império sob Pedro, o Grande, permaneceu assim até 1917, altura em que se transformou num neoimpério, a União Soviética. Após o colapso da União Soviética, no início dos anos 90, a Rússia teve a oportunidade de se redefinir e de se tornar uma federação europeia moderna, mas, em vez disso, os russos seguiram pelo caminho do regime autoritário e da nostalgia pelo império. O resultado foi uma série de guerras e conflitos no Cáucaso, na Síria, na Geórgia e na atual guerra russo-ucraniana.
Imperialismo russo do período czarista
O imperialismo desenvolveu-se na Rússia da mesma forma que em qualquer outro país europeu. Com o aparecimento das elites, começou a expansão do espaço vital e, por conseguinte, as guerras de conquista para explorar novas terras tornaram-se inevitáveis. Afinal de contas, a essência de qualquer imperialismo é a política colonial.
Existem impérios coloniais clássicos, Estados cuja metrópole não está geograficamente ligada às suas colónias. O exemplo mais marcante é o Reino Unido. A ilha com capital em Londres não tinha uma fronteira terrestre com todos os seus territórios, que eram muito maiores do que a própria metrópole. Esses impérios incluem também, p.ex., Portugal, Espanha, França e Países Baixos.
Metrópole
O centro de um império que fundou ou conquistou colónias e é proprietário das mesmas.A Rússia constituiu-se como um império de “orlas” nacionais, ou seja, a metrópole estava geograficamente unida às colónias. O exemplo mais ilustrativo de um império deste tipo, para além da Rússia, é a Áustria-Hungria.
A construção russa de um império de “orlas” nacionais tinha as suas especificidades. Antes de mais, caracterizava-se pelo esbatimento das fronteiras entre as terras verdadeiramente russas e as terras colonizadas. Se, p.ex., os britânicos não podiam construir um mito da Índia ou do Sudão como territórios primordialmente britânicos, a Rússia, no processo de colonização, reivindicava “direitos primordiais” sobre cada vez mais territórios que nunca tinham sido etnicamente russos.

Há muito que os russos reivindicam (e continuam a reivindicar) não só as terras que sempre foram habitadas pelos ucranianos, mas também a Bielarus, os Estados Bálticos, a Transcaucásia (Ossétia do Sul, Abecásia, Ichkéria) e a Ásia Central (norte do Cazaquistão, Quirguistão).
Como comparação, na Áustria-Hungria, que também era um império de “orlas” nacionais, não existia tal política. Reconheciam claramente a existência de outros povos e o seu direito a, pelo menos, uma autodeterminação básica. Havia escolas e organizações culturais que ensinavam e educavam nas línguas nacionais, e o próprio império não era autocrático até ao seu colapso em 1918.
Em vez disso, a grande narrativa imperial russa foi construída com base no princípio de “onde quer que se consiga pôr o chapéu, aí está a Rússia”. Significa isto que não havia respeito pelos povos conquistados e colonizados. Tentaram assimilá-los a todos, tanto quanto possível, para os tornar “russos” subjugados. Não importava se era a população eslava ortodoxa da Ucrânia e da Bielarus, ou os católicos e protestantes da Polónia e dos Estados Bálticos, ou os muçulmanos do Cáucaso do Norte e dos Urais, ou mesmo os asiáticos do Extremo Oriente. O imperialismo russo “triturava” todos numa massa comum, impondo a sua língua, religião e cultura aos povos conquistados.
No entanto, em 1917, o Império Russo entrou em colapso sob a influência de fatores sociais negativos, duas guerras perdidas e a total incapacidade da autocracia como forma de governo. No entanto, após a supressão das revoluções nacionais de 1917-1922 (incluindo na Ucrânia), a Rússia conseguiu transformar-se num neoimpério, a União Soviética.
A União Soviética como um neoimpério
Um neoimpério é um Estado que, possuindo poderosas alavancas económicas, militares e políticas, tenta conquistar ainda mais territórios vizinhos através da construção das chamadas esferas de influência. O neoimpério está intimamente relacionado com o conceito de neocolonialismo, a política pela qual uma metrópole procura controlar as suas antigas colónias por meio de pressões económicas, militares ou políticas.
A URSS formou-se como um neoimpério de pleno direito durante os anos de governo de Joseph Estaline. Foi nessa altura que a União Soviética, à custa de milhões de vidas, levou a cabo a coletivização e a industrialização, que constituíram o escudo económico e militar do neoimpério. Depois disso, o regime estalinista começou, primeiro, a desmantelar os restos de independência das repúblicas e regiões autónomas conquistadas por Vladimir Lenine, e, segundo, a expandir-se para os territórios vizinhos.
Coletivização
A criação de grandes explorações agrícolas coletivas baseadas na unificação de famílias camponesas independentes. Desta forma, a URSS controlava totalmente os seus cidadãos a nível económico, implementando a ideia de ditadura, uma vez que os camponeses constituíam mais de 85% da população.
Nesse sentido, a União Soviética anexou os territórios ocidentais da Polónia em 1939, seguindo-se as repúblicas bálticas e a Roménia. Iniciou uma guerra de agressão com a Finlândia e anexou Tyva no Extremo Oriente. Após a vitória na Segunda Guerra Mundial, a maior parte da Europa Central e Oriental tornou-se dependente da URSS: Polónia, Hungria, Checoslováquia, Roménia, Bulgária e Alemanha de Leste.
Durante algum tempo, a URSS tentou igualmente colocar a Yugoslávia sob a sua influência e enfraquecer a Áustria. Além disso, o regime estalinista legalizou totalmente os territórios que tinha ocupado até 1941 e anexou os antigos territórios da Prússia Oriental (atualmente a região de Kaliningrado da Federação Russa) e as ilhas Kuril e Sakhalin do Sul (atualmente parte da Federação Russa, disputada pelo Japão).
Tendo “adquirido” novas terras, a União Soviética já se sentia como um neoimpério. Vale a pena recordar aqui que, considerando a URSS enquanto ideia, havia três planos para a sua criação: o plano de Lenine de uma federação (que acabou por ser aprovado), o plano de uma confederação de países independentes (proposto pelo Partido Comunista da Geórgia) e o plano de autonomia (todas as repúblicas fariam parte da Grande Rússia como regiões autónomas), defendido por Estaline.

Como fundador da URSS, Estaline não podia contrariar a vontade de Lenine, que tinha transformado num ídolo para milhões de pessoas. Como tal, decidiu implementar o plano de “autonomização” não de jure, mas de facto, privando as repúblicas soviéticas de qualquer subjetividade real, e não apenas declarada. Até os ministérios dos Negócios Estrangeiros das Repúblicas Socialistas Soviéticas da Ucrânia e da Bielarus (RSSU e RSSB, respetivamente) existiam apenas como uma ficção para obter lugares adicionais para Moscovo na recém-criada Organização das Nações Unidas.

Mas a reprodução do modelo de neoimpério não se fazia apenas ao nível das esferas política e económica. Estaline reavivou as tradições imperiais, tanto a nível cultural como ideológico. Em particular, devolveu ao exército as ombreiras que eram o símbolo de um oficial czarista. Restaurou a tradição dos bailes, não de Natal, mas de Ano Novo. Durante o regime de Estaline, os oficiais militares mais proeminentes do império foram recuperados: Aleksandr Suvorov, Mikhail Kutuzov, Fiodor Ushakov e Pavel Nakhimov. Até hoje, muitas ruas, praças e parques ucranianos têm os seus nomes. Além disso, após os sangrentos “planos quinquenais ateus”, em que padres e outras figuras religiosas foram massacrados, Estaline restaurou a Igreja Ortodoxa Russa. Estava completamente infiltrada pelos serviços secretos, mas, oficialmente, posicionou-se como uma grande organização religiosa.

A nível ideológico, Estaline abandonou gradualmente o bolchevismo e a sua ideia de um “novo mundo” onde não havia lugar para os “mexericos burgueses do imperialismo”. No seu lugar, introduziu narrativas imperiais na grande narrativa do neoimpério soviético.
O neoimpério soviético sofreu uma outra grande mudança ideológica no final dos anos 60, quando Leonid Brezhnev estava no poder. Foi nessa altura que se tornou evidente que todo o mecanismo neoimperial soviético, que exigia constantes projetos de grande envergadura e dispendiosos, com benefícios pouco claros ou mesmo duvidosos (o cultivo de terras virgens na Ásia Central, a corrida espacial com os Estados Unidos, a construção da ferrovia Baikal-Amur, a guerra no Afeganistão, o apoio a regimes ditatoriais e a movimentos de guerrilha no chamado Terceiro Mundo, etc.), precisava de atualizar a grande narrativa do Estado.

Como resposta a isto, emergiu e ganhou uma escala ideológica sem precedentes, nas décadas de 1960 e 1970, o mito da Grande Vitória na II Guerra Mundial. Formou-se a noção de “povo soviético”, que acabaria por apagar quaisquer outras opções de identidade. Por fim, surgiu o conceito de “modo de vida soviético“, como um certo dogma ideológico de como se deve viver para ser um bom cidadão do neoimpério e gozar da felicidade.
Como a Federação Russa construiu a sua própria política imperialista
Após o colapso da União Soviética (há muitas hipóteses sobre as razões, mas este é um tema para um artigo à parte), a Federação Russa surgiu dos seus destroços. Nos primeiros tempos deste Estado, liderado por Boris Yeltsin, houve tentativas de criar uma espécie de federação democrática. No entanto, todas estas aspirações foram frustradas já em 1994, quando as tropas russas iniciaram uma guerra com a república independente da Ichkéria, no Cáucaso do Norte. Seguiu-se o “aperto dos parafusos” em resposta à declaração de soberania do Tartaristão e de Sakha (Yakutia).

Além disso, o regime russo procurou manter a sua influência nas antigas repúblicas soviéticas, fomentando conflitos militares e proclamando entidades estatais não reconhecidas. Foi o que aconteceu na Moldova, onde surgiu, em 1991, a autoproclamada República Moldava Transnístria. Na Geórgia, surgiram de imediato duas “ramificações da agressão imperial russa”: as repúblicas não reconhecidas da Abecásia e da Ossétia do Sul.
A Rússia desempenhou durante muito tempo um papel no conflito entre a Arménia e o Azerbaijão sobre o Nagorno-Karabakh, manteve um contingente militar significativo no Tajiquistão e tentou anexar a Crimeia antes de 2014 de várias formas. As mais famosas são a rebelião separatista do Presidente da Crimeia, Yuri Meshkov, em 1994, e o conflito sobre a ilha de Tuzla, em 2003.

Para cultivar o seu próprio imperialismo, o governo russo não recorreu apenas a meios militares e políticos. As frentes ideológica e cultural também funcionavam em pleno. No início da década de 2000, quando o então “político liberal” Vladimir Putin chegou ao poder, aparentemente em busca de reformas de mercado, este estava rodeado de “cardeais cinzentos”, responsáveis pela imposição da ideologia neoimperial. São eles Vladislav Surkov, um especialista em relações públicas com um passado muito obscuro, e Aleksandr Dugin, um filósofo com um passado ainda mais obscuro. O primeiro tornou-se um dos principais conselheiros de Putin durante muito tempo, enquanto o segundo trabalhava mais remotamente, mas também “dentro do Kremlin”. Com altos cargos académicos na Universidade de Moscovo, Dugin está ativamente envolvido na explicação e branqueamento do imperialismo russo no Ocidente e é também um dos conselheiros não oficiais de Putin em questões ideológicas.

Vladislav Surkov desenvolveu amplamente o conceito neoimperial “mundo russo”, que é utilizado pela Rússia moderna para encobrir a sua agressão na Ucrânia e em todo o mundo. O conceito de “mundo russo”, como doutrina que justifica o imperialismo russo moderno, foi introduzido pela primeira vez na vida política pelo politólogo Petro Shchedrovitsky. No entanto, é Surkov o responsável por moldar e implementar as principais tecnologias e narrativas deste conceito do Kremlin. Inicialmente, a sua particularidade era a proteção dos direitos culturais dos cidadãos de língua russa e das diásporas noutros países. Mais especificamente, organizações culturais e educativas russas, como a Comunidade Russa e outras, recebiam financiamento através da organização governamental Rossotrudnichestvo para desenvolver e aumentar a sua influência noutros países. Mais tarde, este facto tornou-se a base para a agressão da Rússia, em especial na Ucrânia.

Aleksandr Dugin, por outro lado, desenvolve e moderniza o velho conceito de “eurasianismo”, que defende, de forma simplista, a existência de dois pilares civilizacionais: o atlantismo (os Estados Unidos e o “Ocidente coletivo”) e o eurasianismo (a Rússia e os seus satélites), que há muito se opõem. De acordo com este conceito, a Rússia tem o direito de se apoderar de territórios que “pertencem à sua esfera de influência” para “alcançar a segurança coletiva”.

Foi, deste modo, nas décadas de 1990 e 2000, que se começou a compreender o passado imperial e soviético da Rússia como uma tradição integral (o que deveria ter sido uma contradição em si mesmo). Foi restaurada a bandeira do Império Russo do tempo de Nicolau II (a tal bandeira vermelha, branca e azul que faz lembrar a pasta de dentes “Aquafresh”), ao lado da componente musical do hino da União Soviética.
O novo sistema de condecorações russo restaura tanto as condecorações imperiais (como a Ordem de São Jorge e a Cruz de São Jorge) como as condecorações soviéticas (como as Ordens de Suvorov e Kutuzov). Além disso, o panteão inclui aqueles que nunca tinham sido muito exaltados (embora fossem valorizados e utilizados) por nenhum dos impérios anteriores, como o marechal Georgy Zhukov e o poeta Aleksandr Pushkin. A máquina de propaganda russa promove-os nas antigas repúblicas soviéticas como “um passado comum de que nos devemos orgulhar”.

Para além disto, foi criada a Medalha Zhukov, que é atribuída a todos os veteranos da Comunidade de Estados Independentes (CEI). Estão a ser erigidos monumentos e bustos de Pushkin mesmo nas cidades mais distantes de outros países, com a ajuda de ONG pró-governamentais, como a Comunidade Russa. De facto, a Rússia está a lançar gradualmente uma expansão cultural e ideológica ativa nas suas antigas colónias.
CEI
Organização internacional regional da Ásia e da Europa Oriental, criada em 8 de dezembro de 1991, como uma união económica, política e social da Bielarus, da Rússia e da Ucrânia. À CEI juntaram-se mais tarde alguns Estados pós-soviéticos. A Ucrânia foi cofundadora da CEI, mas não ratificou a Carta da organização, pelo que, formalmente, era apenas um país observador. Em 19 de maio de 2018, a Ucrânia retirou-se da organização.Ao mesmo tempo, a máquina de propaganda russa iniciou o trabalho para o “consumidor doméstico”. Na década de 2000 e seguintes, a tendência para a nostalgia pelo império, tanto da URSS como do Império Russo, foi cada vez mais difundida. Filmes de grande produção com narrativas imperiais foram realizados por ordem do Estado: “Barbeiro da Sibéria” (1998), “Servo do senhor” (2007), “Cavalheiros oficiais: salvar o Imperador” (2008) e “Almirante” (2008). Também foram produzidos filmes sobre a grandeza soviética: “Estalinegrado” (2013), “Movimento ascendente” (2017), “Tempo dos primeiros” (2017), etc..

A ideologização imperial abrange não só a esfera popular do cinema, mas também outros sectores culturais. Desta maneira, através do produto cultural, os russos estão cada vez mais convencidos de que a única opção para a sua existência é o império, no qual serão “grandes” e os outros serão subjugados e estarão ao seu serviço.
Esta nostalgia do império (no sentido mais lato do termo) assumiu também outras formas igualmente bizarras, como o “renascimento dos cossacos”, quando associações públicas de reconstituições históricas foram autorizadas a desempenhar o papel de polícia moral. Estas ONG “cossacas” patrulhavam as ruas e desempenhavam as funções da polícia, com uma interpretação muito vaga dos seus deveres e direitos. Desta forma, as autoridades partilhavam com elas o monopólio estatal da violência. O facto é que, após a chegada de Putin ao poder, o Kremlin começou a integrar gradualmente as organizações cossacas na burocracia estatal, até que, em 2005, uma lei especial lhes concedeu o estatuto oficial de funcionários públicos. Tornaram-se assim uma espécie de “exército de bolso” de Putin. A participação não oficial, e mais tarde oficial, dos cossacos foi registada em quase todos os conflitos militares da Rússia no território da antiga URSS: Transnístria, Abecásia, Chechénia e, mais tarde, na Crimeia e no leste da Ucrânia.
Organizações “cossacas”
Grupos militarizados da Federação Russa que se autodenominam "cossacos" (não têm nada a ver com os cossacos ucranianos).
Foram introduzidas nas escolas aulas de “ética ortodoxa”, oficialmente facultativas, mas que na prática eram obrigatórias, mesmo nas regiões onde viviam não-cristãos. Muitas vezes, estas aulas eram dadas por padres sem formação pedagógica.
São dignas de menção os flash mobs do Kremlin da “Fita de São Jorge” e do “Regimento Imortal”, quando, sob a capa de eventos em homenagem aos que morreram na Segunda Guerra Mundial, estavam, de facto, a unir ideologicamente aqueles que queriam viver no novo império. Além disso, isto foi feito não só na Rússia, mas também nos países que esta reivindicava nas suas aspirações imperiais.
Apenas alguns anos antes da invasão em grande escala da Ucrânia, o exército russo mudou o seu uniforme para um semelhante ao do Império Russo, combinando-o com o design soviético das ombreiras. Por outras palavras, em todos os domínios possíveis, mesmo a nível visual, a propaganda russa tenta mostrar a imagem do seu futuro imperial como um híbrido do Império Russo clássico e do neoimpério da URSS.

O imperialismo russo, na sua expressão atual, é o gabinete de um oficial do Serviço Federal de Segurança (FSB), onde coexistem pacificamente um busto do organizador soviético do Terror Vermelho, Felix Dzerzhinsky, e a bandeira tricolor do imperador Nicolau II.
FSB
Uma organização que surgiu como sucessora do Comité de Segurança do Estado (KGB), uma agência governamental da URSS cujas principais tarefas incluíam a informação, a contrainformação e a luta contra o nacionalismo, a dissidência e as atividades antissoviéticas.Por que o imperialismo é uma política fracassada do futuro
A culminação do imperialismo russo foi a invasão visível e em grande escala da Ucrânia em fevereiro de 2022. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que se arrasta desde 2014, atingiu proporções sem precedentes e é o maior conflito armado na Europa desde a II Guerra Mundial.

O imperialismo russo, com recurso a práticas genocidas, resultou em centenas de povoações destruídas, milhares de baixas entre a população civil e o pessoal militar da Ucrânia. No entanto, tudo isto não deu à Rússia uma única hipótese de absorver a Ucrânia. Apesar do facto de uma guerra em grande escala ter afetado o mundo inteiro, abalando o sistema estabelecido de segurança e responsabilidade coletivas, o mundo civilizado apoiou a Ucrânia e procura assim impedir a propagação da doença imperial no mundo. Começou a ser fornecido o armamento e outro equipamento necessários, foram impostas sanções económicas sem precedentes e a maioria das empresas ocidentais abandonou a Federação Russa para evitar perdas de reputação.

A sociedade russa chegou a este estado de isolamento internacional, em parte, porque em vez de iniciar estudos pós-coloniais após o colapso da URSS, repensar a sua própria experiência como nação imperial e tirar conclusões sobre a natureza contraproducente da agressão como fenómeno, começou a fantasiar sobre o passado imperial, procurando um novo czar-messias. Este entendimento público do sistema de Estado acabou por conduzir a enormes perdas políticas, económicas, de reputação, humanas e outras. Esta abordagem neoimperial agressiva pôs em causa a existência do Estado russo no mapa político do mundo. E tudo isto porque o imperialismo e o irredentismo não têm lugar no sistema mundial moderno.
Irredentismo
O desejo de um Estado ou de uma força política de unir toda a nação num só Estado, incluindo através da anexação.Infelizmente, as aspirações imperialistas e irredentistas da Rússia são toleradas por uma série de países, incluindo a Síria, Bielarus, Nicarágua, Eritreia e Zimbabué. Isto deve-se aos laços estreitos que a Rússia mantém com estes países, incluindo os laços económicos. Esse apoio ajuda em parte a Rússia, por exemplo, a votar na ONU ou a reconhecer formações estatais não reconhecidas criadas por ela. Um exemplo interessante é o facto de a Rússia ter tentado subornar pequenos Estados insulares da Oceânia para obter o reconhecimento da Abecásia e da Ossétia do Sul, em 2008.
O atual governo húngaro também tolera a política russa e conduz uma retórica irredentista ativa na política internacional, em particular, fazendo uma série de reivindicações dos territórios que a Hungria perdeu ao abrigo do Tratado de Trianon, em 1920, quando o Império Austro-Húngaro entrou em colapso. Esta política da Hungria já levou cada vez mais políticos europeus a dizer que o país não tem lugar na UE e na NATO.

Quanto à Rússia, o seu destino é óbvio. O imperialismo e o irredentismo levarão a uma mudança radical no formato da existência deste Estado depois de a Ucrânia e os seus aliados ocidentais vencerem a guerra. Não só os especialistas, mas também as pessoas instruídas e com um bom conhecimento da história concordam que a desintegração da Federação Russa numa série de Estados em retalhos que lutarão pela sua soberania é uma questão de tempo. O subimpério russo está a falhar e, quaisquer que sejam as decisões tomadas pela sua liderança, todas elas, mesmo que melhorem a situação por um curto período de tempo, conduzirão ao colapso de uma forma ou de outra.