Apesar das pesadas sanções e dos esforços concertados das potências ocidentais para minar a máquina de guerra da Rússia, a nação agressora continua a iludir estas restrições e a explorar lacunas, reforçando a sua capacidade de continuar a guerra. Embora muitas empresas e indivíduos no Ocidente ainda mantenham laços com a Rússia, algumas dessas ligações envolvem cumplicidade direta em crimes de guerra. Além disso, vários governos, incluindo os da Belarus, Emirados Árabes Unidos, Quirguistão, China e Índia, colaboram diretamente com a Rússia, o que suscita preocupações quanto ao seu papel na perpetuação da guerra.
De acordo com um estudo do Instituto KSE (Escola de Economia de Kyiv), a grande maioria do equipamento militar atual da Rússia depende fortemente de tecnologias ocidentais, especialmente dos EUA, Reino Unido, Alemanha, Países Baixos, Japão e Israel. Nalguns casos, estes componentes têm uma dupla finalidade, abrangendo aplicações civis disponíveis comercialmente e utilizadas para fins militares. O seu dualismo torna mais difícil restringi-los através do controlo das exportações. Ao mesmo tempo, alguns sectores que financiam a máquina de guerra russa nem sequer estão sob sanções.
Refletindo sobre décadas de beligerância russa, é evidente que a comunidade global não se pode dar ao luxo de subestimar as ameaças colocadas pela Rússia e por outros regimes autoritários. Em vez disso, é essencial desenvolver estratégias que possam perturbar até os mais complexos canais de apoio à economia russa e à produção de armas. Este objetivo não é apenas uma questão de interesse regional, mas um imperativo fundamental para a segurança e estabilidade globais.
Ajudantes silenciosos: a maquinaria CNC ocidental que alimenta o esforço de guerra da Rússia
As máquinas de Controlo Numérico Computadorizado (CNC) são os heróis desconhecidos da produção militar, servindo de espinha dorsal do fabrico de armas. Os exemplos mais comuns são as máquinas CNC de torneamento e fresadoras, cortadoras a laser e plasma, routers CNC, etc.. Representam uma componente indispensável da automação moderna na produção civil e militar.
Exemplos de máquinas CNC.
Contrariamente à crença popular, não existem máquinas militares especializadas; muitos componentes cruciais de armamento são fabricados utilizando estas multifuncionais CNC, incluindo vigas, caixas, porcas, rolamentos e muito mais. Por exemplo, quase todo o equipamento de exatidão para corte de metais que os militares russos utilizam é oriundo do Ocidente. As CNC têm várias finalidades nos sectores militar e da defesa. Vão desde componentes minúsculos e precisos em eletrónica e armamento até peças estruturais substanciais em aviões e veículos. A maquinaria CNC permite a produção de peças com medidas precisas e desenhos complexos, satisfazendo os elevados padrões destas indústrias. Utilizando-a, as empresas militares e de defesa podem acelerar a produção e poupar custos, de forma a obter resultados mais rápidos e melhores.
A Rússia tinha adquirido um número substancial de máquinas CNC ocidentais antes da invasão em grande escala, permitindo a produção de componentes de armas. Mesmo depois de os países ocidentais terem reforçado as sanções em 2022, os seus limites continuam a ser extremamente alargados, permitindo que muitos produtos de dupla utilização, essenciais para a produção de armas russas, atravessem as fronteiras sem entraves. Além disso, todas as máquinas CNC continuam a receber manutenção dos seus fabricantes, tornando-as ainda mais eficazes e duradouras para a Rússia continuar a guerra.
De acordo com uma investigação do Conselho de Segurança Económica da Ucrânia (CSEU), a produção militar russa depende fortemente das máquinas CNC ocidentais, em cerca de 70% (embora a dependência real possa ser maior). Estas máquinas são responsáveis pelo fabrico de numerosos componentes que constituem as armas utilizadas contra a Ucrânia. Por exemplo, as empresas militares russas utilizam amplamente CNC estrangeiras nos seus processos de fabrico, incluindo a produção de mísseis Kalibr. Desde o início da guerra em grande escala, o país agressor já fabricou mais de 700 mísseis deste tipo, que mataram muitos civis ucranianos.
Resultados do ataque russo com mísseis Kalibr, Odesa, 23 de abril de 2023.
Embora a indústria CNC seja essencial, tende a passar despercebida nos relatórios e análises económicas, ofuscada por sectores mais proeminentes. Dada a dependência em 70% da Rússia das CNC ocidentais, a sua fragmentação poderia reduzir significativamente a eficiência do complexo militar russo. Para o conseguir os peritos da ONG ucraniana PR Army e do CSEU recomendam várias medidas cruciais:
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Fim da assistência técnica e das atualizações de software. Cessar a manutenção e o fornecimento de atualizações de software para máquinas CNC vendidas com violações do controlo das exportações.
Alargamento das categorias de controlo das exportações. Alargar o campo dos regulamentos de controlo das exportações de modo a abranger uma vasta gama de componentes e ferramentas utilizados na produção de armas, incluindo todos os tipos de máquinas CNC e microchips.
Responsabilização das empresas e pressão pública. Exercer pressão pública sobre as empresas diretamente envolvidas com a Rússia ou as suas filiais, sublinhando a responsabilidade pela participação em esforços de guerra e crimes de guerra.
Fiscalização mais rigorosa no que respeita aos bens de dupla utilização. Introduzir sanções rigorosas para os produtores de bens e instrumentos de dupla utilização, incluindo a responsabilidade penal dos diretores executivos e dos responsáveis pelo cumprimento das regras de conformidade, bem como a aplicação de multas por violações do controlo das exportações. Reconhecer a importância estratégica dos produtos de dupla utilização para a segurança nacional.
Medidas de conformidade rigorosas. Aplicar um controlo preliminar exaustivo dos acordos para verificar as relações entre intermediários e distribuidores e os compradores finais. Obrigar os fabricantes das CNC a aderir a normas de conformidade internas rigorosas, sendo as infrações passíveis de sanções severas e de uma eventual anulação da licença.
A DMG Mori é um dos maiores fabricantes de máquinas CNC, ainda em atividade na Rússia. Fonte: Projeto Solidariedade Ucrânia.
Para fazer uma comparação simples: se a ZARA abandonasse o mercado russo, reduziria o montante de impostos na Rússia. Mas se um fabricante de CNC, como a DMG Mori, terminasse a manutenção e o apoio às suas máquinas nas fábricas militares russas, isso prejudicaria gravemente o potencial bélico da Rússia. O objetivo final é reduzir a capacidade da Rússia de produzir armamento avançado, reduzindo assim a sua capacidade de fazer guerra e de representar uma ameaça para a Europa e para o mundo.
Como a Rússia escapa às sanções através de lacunas e dos chamados países neutros
Embora as sanções tenham afetado a economia russa, não foram suficientemente fortes para travar a guerra em curso. A Rússia utiliza países “neutros” para sustentar os seus esforços agressivos de guerra. Países como o Irão, a Turquia, a Bielorrússia, a Suíça, a Arménia, a Geórgia, o Cazaquistão, o Quirguistão e os Emirados Árabes Unidos são locais onde operam intermediários russos ou onde a Rússia obtém materiais. Estes países podem manter oficialmente uma posição neutra nos conflitos internacionais ou mesmo fazer parte de uma coligação ocidental, mas, na prática, permitem atividades que apoiam direta ou indiretamente os esforços militares da Rússia.
Por exemplo, desde o início da invasão total da Ucrânia, a Rússia aumentou o valor da microeletrónica importada para 2,45 mil milhões de dólares, em comparação com 1,8 mil milhões de dólares, em 2021. O Grupo de Trabalho Internacional sobre Sanções à Rússia identificou pelo menos 1057 componentes estrangeiros, produzidos por 155 empresas, em armas russas.
Tomemos a Alemanha como exemplo. Embora a redução significativa de 47% nas importações alemãs provenientes da Rússia demonstre fortes esforços para limitar a capacidade de Putin para fazer a guerra, um aumento substancial do comércio com os países vizinhos da Rússia é uma tendência preocupante. Este facto suscita preocupações válidas quanto à possibilidade de os artigos sancionados entrarem no país agressor. Após a invasão russa da Ucrânia, as exportações alemãs para o Quirguistão dispararam 994%, atingindo 170 milhões de euros. Foram observados aumentos semelhantes no comércio com outros países vizinhos: 92% para a Geórgia, 136% para o Cazaquistão, 172% para a Arménia e 154% para o Tajiquistão. Ligados pela pertença à União Económica Euroasiática, liderada pela Rússia, a Arménia, o Cazaquistão e o Quirguistão partilham um regime aduaneiro comum com Moscovo, o que permite a revenda de mercadorias sancionadas à Rússia sem mais controlos e direitos aduaneiros.
Além disso, registou-se um aumento de 37% no comércio alemão com a Turquia. Este facto poderá sugerir um papel cada vez mais importante da Turquia na ajuda a Moscovo para contornar as sanções europeias, uma posição que Ancara, oficialmente, se tem abstido de assumir.
Como a Belarus ajuda a Rússia a continuar a guerra
A Belarus apoia diretamente a guerra da Rússia contra a Ucrânia, incluindo nas deportações forçadas, na instalação de armas nucleares e nos lançamentos de mísseis a partir do seu território. Além disso, a Belarus é um exportador de bens sujeitos a sanções. Apesar das extensas sanções contra as exportações para a Rússia, o agressor encontrou formas eficazes de as contornar e continuar a guerra, sendo a Belarus uma das principais lacunas. Isto significa que praticamente tudo o que a Belarus importa, incluindo microchips, componentes de aviação, computadores e equipamento de campo de batalha, acaba por ir parar à Rússia.
O Presidente da Belarus Aleksandr Lukashenko, em 16 de fevereiro de 2023. Natalia Kolesnikova / AFP / Getty Images.
Só em 27 de julho de 2023, após um ano e meio de guerra em grande escala, a União Europeia chegou a um consenso para proibir a exportação de equipamento de campo de batalha e peças de aviação para a Belarus. Este embargo incidiu especificamente sobre “bens de dupla utilização para o campo de batalha e a aviação” e incluiu uma lista negra de 38 indivíduos e 3 entidades.
Os peritos afirmam que a Belarus depende fortemente da Rússia e serve as necessidades do Kremlin de várias formas. A imposição de sanções severas à Belarus colocaria restrições adicionais à Rússia, tornando a guerra em curso mais difícil para os dois países.
Como a Suíça ajuda a Rússia a continuar a guerra
A Suíça condenou a agressão russa e apoiou a Ucrânia, mas há anos que o país é o destino preferido dos oligarcas e dos funcionários corruptos russos para esconderem o dinheiro roubado. A Rússia pode comprar componentes para armas e importar máquinas-ferramentas de dupla utilização para fabricar mísseis, através de bancos suíços. Por exemplo, a empresa suíça SIPAVAG AG, que produz peças para gruas a gasóleo para a Marinha russa, forneceu peças de motor para a Kolomensky Zavod JSC. A empresa é dirigida pela cidadã russa Tatyana Nemtseva. Em fevereiro de 2023, tornou-se gerente e única acionista de outra empresa suíça, a INT Trade GmbH.
Restos de um drone kamikaze iraniano Shahed 136 utilizado para atacar Kyiv, em 12 de maio de 2023. Foto: Oleksii Samsonov / Getty Images.
Em 18 de julho, a Comissão de Helsínquia dos EUA realizou uma sessão sobre o jogo duplo da Suíça, na qual Olena Tregub, a Secretária-Geral do Comité Independente Anticorrupção da Defesa (NAKO), apresentou a sua investigação sobre a evasão às sanções por parte da Suíça:
— O princípio da neutralidade não permite que a Suíça forneça armas para ajudar a Ucrânia. No entanto, este princípio não impede as suas empresas de fornecerem componentes para mísseis e drones para a Rússia cometer genocídio e crimes de guerra na Ucrânia. A Suíça está no topo da Europa no que respeita ao número de componentes encontrados em armas russas. Se estivermos a falar dos Shaheds iranianos, então a Suíça está em primeiro lugar na Europa em termos de número de componentes. A Suíça não é o único país que não consegue resolver a questão de parar o fornecimento de componentes à Rússia. No entanto, outros países fornecem, pelo menos, armas à Ucrânia.
O papel da China nos esforços de guerra da Rússia
Os EUA e a Europa estão a enfrentar uma ameaça de segurança iminente sob a forma da China, uma ameaça potencialmente mais perigosa do que a Rússia. Se não responder prontamente a esta ameaça à segurança, as democracias ocidentais poderão ter de despender recursos e finanças significativos para fazer face a uma potencial invasão de Taiwan.
O papel da China no apoio aos esforços de guerra da Rússia na Ucrânia vai para além da mera retórica. Uma forma significativa da China ajudar a Rússia é através do fornecimento de drones e de uma vasta gama de equipamento militar não letal, incluindo kits médicos, kits de refeições e coletes à prova de bala. Esta assistência permite à Rússia manter os seus esforços militares. Além disso, a contribuição da China para a máquina de guerra russa inclui o fornecimento de pólvora utilizada em projéteis de artilharia e o reforço das capacidades do exército russo. A capacidade da China para evitar sanções torna este apoio ainda mais preocupante, fazendo dele um fator-chave para a agressão da Rússia na Ucrânia.
A França manifestou a sua preocupação relativamente ao apoio militar não letal da China à Rússia. De acordo com um relatório da CNN de 21 de julho, as autoridades francesas indicaram que a China está a fornecer à Rússia artigos como capacetes, coletes à prova de balas e tecnologias de dupla utilização. Emmanuel Bonne, conselheiro do Presidente francês Emmanuel Macron, informou a CNN que Pequim está a reforçar significativamente as capacidades militares da Rússia.
As nações ocidentais estão atualmente a pensar na forma de se aproximarem da China, muitas vezes apreensivas com a perspetiva de uma escalada. No entanto, é essencial reconhecer que a resolução desta guerra só será possível se a China for obrigada a deixar de ajudar a Rússia.
Andrew Michta, Diretor do Colégio de Estudos Internacionais e de Segurança do Centro Marshall, comenta o papel da China na guerra híbrida:
— A realidade é que a Rússia e a China têm estado a travar uma guerra híbrida contra as democracias e estão prontas para passar a uma guerra direta. Elas sabem o que querem. A Rússia quer rever o cenário pós-Guerra Fria a seu favor. A China quer substituir os Estados Unidos como líder. É tempo de percebermos que os 30 anos de globalização, de offshoring e, sobretudo, de acesso sem restrições da China e da Rússia a todos os níveis das nossas sociedades corromperam e enfraqueceram o Ocidente. Atualmente, a política ocidental permite à China roubar propriedade intelectual e extorquir tecnologia e dados ocidentais em troca de acesso ao mercado. Se continuarmos nesta trajetória, os nossos inimigos provavelmente prevalecerão.
Um estudo do Grupo de Peritos sobre Sanções à Rússia revelou que 67% dos componentes utilizados em três modelos de drones utilizados pela Rússia em ataques contra a Ucrânia são originários da China, com 17% deles a passar por Hong Kong. O estudo identificou ainda peças provenientes de países como o Japão, a Coreia do Sul, a Suíça e outros, incluindo processadores, microcircuitos e transístores. A acessibilidade de muitos componentes de drones através de plataformas abertas representa um desafio considerável para o controlo regulamentar.
Fonte: Xie Huanchi | Xinhua News Agency | Getty Images.
Quando as sanções ocidentais atingiram pela primeira vez as empresas de defesa russas em 2014, a Rússia não perdeu tempo a conceber estratégias para evitar estas restrições. Em 2022, a Rússia estava bem preparada para enfrentar e contornar as sanções, especialmente as do complexo militar-industrial. Anton Mykytiuk, um perito do Conselho de Segurança Económica da Ucrânia, comentou para a Speka Media:
— Como é que isto funciona? O método principal é a criação de novas empresas que nada têm a ver com o complexo militar-industrial. Por exemplo, na China, uma empresa de microeletrónica é registada em nome de um cidadão local ou mesmo russo. Esta empresa compra chips ou equipamento e envia-os para a Rússia, passando por 3-4 intermediários até o equipamento chegar a uma fábrica militar. É claro que todos estes intermediários não são pessoas aleatórias.
O que pode ser feito para colmatar as brechas nas sanções?
Apesar das complicações na deteção de lacunas nas sanções, há casos de investigações e ações judiciais bem sucedidas por ajuda à Rússia. Por exemplo, nove empregados da Ommic, o maior fabricante francês de semicondutores, estão a enfrentar acusações relacionadas com a exportação ilícita para a Rússia e a China de tecnologia sensível avaliada em 13 milhões de dólares. Entre estes indivíduos, quatro representantes da empresa foram formalmente colocados sob investigação, em março. Pensa-se que desempenharam um papel no contrabando de chips de nitreto de gálio, que têm aplicações muito variadas, para entidades estatais russas através de rotas que envolvem a China, a Índia, a Turquia e a Lituânia.
No centro das atividades da Ommic está a tecnologia GaN, que permite obter ganhos de potência fenomenais nos semicondutores e se reveste de uma importância estratégica, uma vez que é utilizada, nomeadamente, nos sistemas de guerra eletrónica (Ilustração). IP3 / Vincent Isore.
Os governos ocidentais têm de adotar uma abordagem mais ampla, para resolver esta questão de forma eficaz. Devem alargar os seus esforços para além da imposição de sanções à Rússia e aos seus parceiros imediatos.
- Expandir os esforços de sanções. Em vez de se concentrarem apenas na Rússia, os governos ocidentais deveriam considerar outras nações e entidades que ajudam indiretamente a produção militar russa, como o Quirguistão, o Cazaquistão, a Geórgia, a Arménia, a Turquia, os Emirados Árabes Unidos e a China. Estas entidades incluem empresas, indivíduos e países que, intencionalmente ou não, facilitam o fluxo de componentes militares cruciais para a Rússia.
- As sanções impostas à Belarus devem espelhar as dirigidas à Rússia, em matéria de controlo das exportações, uma vez que estes dois países partilham semelhanças notáveis. Tudo o que entra em território belarusso tem efetivamente acesso à Rússia. Vale a pena notar que as sanções impostas à Belarus são atualmente menos rigorosas do que as impostas à Rússia, principalmente porque o exército belarusso não está a atacar diretamente a Ucrânia. É fundamental conseguir uma abordagem harmoniosa das sanções entre estes países, para garantir a eficácia do controlo das exportações e evitar que os artigos sancionados ajudem acidentalmente os esforços de guerra da Rússia.
- Tratar das lacunas financeiras que permitem à Rússia aceder aos materiais para a produção militar. Alguns países atuam como intermediários, onde os fundos são transferidos ou processados para chegarem, em última análise, à Rússia. Os governos ocidentais têm de tomar medidas para colmatar estas lacunas financeiras. Têm de seguir e controlar mais de perto as transações financeiras para garantir que os fundos não estão a ser utilizados para adquirir componentes militares para a Rússia, mesmo quando passam por países neutros.
- Maior controlo das exportações. Apesar dos controlos existentes das exportações, destinados a restringir o fluxo de materiais militares sensíveis para a Rússia, existem lacunas no quadro regulamentar. Isto significa que, apesar deste controlo, a Rússia pode adquirir os materiais de que necessita para a produção militar. Os governos ocidentais devem identificar essas lacunas e tomar medidas para as colmatar, tornando mais difícil para a Rússia obter esses componentes.
- Melhor controlo das mercadorias em trânsito. As restrições ao transporte rodoviário russo e belarusso que entra na UE só foram impostas no outono de 2023. Isto sugere que, durante mais de um ano e meio de guerra em grande escala, os aliados da Rússia tiveram a oportunidade de encomendar mercadorias da Europa, que transitavam pela Rússia, permitindo potencialmente que o Estado agressor utilizasse essas mercadorias. Por conseguinte, torna-se crucial aplicar medidas rigorosas e abrangentes de controlo do trânsito a todos os níveis, a fim de evitar que a Rússia seja acidentalmente ajudada a obter tecnologias e outros produtos europeus.
O controlo das exportações e a aplicação de sanções são mais do que meros números; são essenciais para impedir que regimes autoritários como a Rússia obtenham tecnologia crítica.
Indústrias não sancionadas que financiam a Rússia
Os Estados Unidos e os seus parceiros europeus dependem fortemente do combustível e dos componentes nucleares russos, utilizados principalmente para alimentar reatores nucleares civis. O Ocidente hesita em restringir as exportações nucleares, pelo que esta indústria ainda não está sujeita a sanções, nem mesmo a Rosatom, a empresa estatal russa de energia nuclear que financia diretamente o exército russo.
De acordo com a Direção de Informação sobre Energia dos EUA, a Rússia forneceu à indústria nuclear dos EUA cerca de 12% do seu urânio em 2022. A Europa informou ter obtido cerca de 17% do seu urânio da Rússia no mesmo ano. Esta forte dependência das importações de urânio da Rússia é preocupante, salientando a necessidade de um abastecimento de combustível diversificado e seguro.
A importação de produtos nucleares da Rússia expõe as nações ocidentais a vulnerabilidades em termos de oferta energética e de segurança. As consequências poderiam ser significativas se a Rússia interrompesse ou suspendesse estes fornecimentos por razões geopolíticas. A dependência do sector energético em relação a estas importações pode tornar-se ainda mais acentuada à medida que os países intensificam os esforços para aumentar a produção de eletricidade sem emissões, uma componente crítica do combate às alterações climáticas.
“A guerra na Ucrânia deixou bem claro que não podemos ficar à mercê dos caprichos da Rússia no que respeita ao nosso abastecimento de combustível“, afirmou o deputado Jeff Duncan, presidente da comissão parlamentar. “Deveria ser um objetivo bipartidário de segurança nacional retirar a indústria dos Estados Unidos das importações de urânio russo.”
Alguns países europeus estão a reduzir a sua dependência do urânio russo. A Suécia recusou-se a comprar combustível nuclear russo no início da guerra na Ucrânia. A Finlândia cancelou um acordo problemático com a Rosatom para uma nova central nuclear e assinou acordos com outros fornecedores. A República Checa está a fazer a transição para combustível não russo na sua central nuclear, e a Eslováquia e a Bulgária estão a explorar fornecedores alternativos à Tvel.
Central elétrica na República Checa. Fonte: AP Photo / Petr David Josek, File.
Para mitigar estas preocupações e reforçar a segurança energética, os peritos da ONG ucraniana PR Army, do CSEU e do Instituto KSE recomendam várias medidas:
- Os países ocidentais devem diversificar os fornecedores de componentes e produtos nucleares para reduzir a sua dependência das importações russas. O reforço das parcerias com as nações ricas em urânio e o incentivo à produção interna são estratégias potenciais.
- Os políticos e os organismos reguladores devem rever e potencialmente tornar mais rigorosos os regulamentos que regem a importação de materiais nucleares, tendo em conta considerações de segurança nacional.
- A promoção das energias renováveis e o aumento dos investimentos neste sector podem ajudar a reduzir a dependência da energia nuclear e, por extensão, das importações nucleares.
Lidar com a contínua importação de produtos nucleares da Rússia é crucial tanto para a segurança nacional como para a resiliência energética dos países ocidentais. Diversificando as fontes de abastecimento e reforçando a regulamentação, essas nações podem atenuar os riscos e garantir um futuro energético estável.
O sector energético russo como motor de crimes de guerra
O Kremlin investiu décadas e milhares de milhões de dólares no estabelecimento de um pilar no mercado energético ocidental. Através de táticas que incluíam a manipulação dos preços, a corrupção e o desenvolvimento de condutas não rentáveis, a Rússia tornou-se um ator dominante no sector do petróleo e do gás da UE. No entanto, não se tratava apenas de receitas, mas de influência política. O fornecimento de energia a preços acessíveis pela Rússia era um meio de exercer controlo político, uma estratégia que se desenrolava há mais de meio século. A Rússia destruiu rapidamente este sistema ao iniciar uma invasão em grande escala da Ucrânia.
Em menos de um ano, o governo alemão, um fiel defensor dos recursos energéticos russos, abandonou completamente a sua dependência dos fornecimentos russos. A Alemanha implementou medidas que afetaram significativamente os consumidores e as empresas para salvaguardar a sua economia. A Alemanha é um excelente exemplo de rápida mudança, porém, isso também destaca a incapacidade de prever adequadamente as ameaças. Vários países da Europa de Leste, incluindo a Polónia, há muito que tinham avisado os outros membros da UE dos riscos associados ao abastecimento energético russo, muito antes de a Rússia ter iniciado a sua guerra em grande escala contra a Ucrânia. Estes países da Europa de Leste demonstraram maior preparação para interromper o abastecimento russo do que os seus parceiros ocidentais.
O gás e o petróleo russos há muito que estavam ligados à corrupção russa, como é o caso da Hungria, onde 50% de todas as importações de gás em 2022 provinham da Rússia. A Hungria ganhou a fama de ser reconhecida como o Estado-membro mais corrupto da UE, pela Transparência Internacional.
Fonte: Centro de Investigação sobre Energia e Ar Limpo (CREA ou CIEA).
A decisão da UE de rejeitar os fornecimentos de energia russos, de proibir o consumo de petróleo e de aplicar mecanismos de limitação dos preços teve profundas repercussões na economia russa. Em janeiro de 2023, as receitas orçamentais da Rússia eram 35% inferiores às do ano anterior, principalmente devido à redução das exportações de petróleo e gás. No entanto, Moscovo continua a financiar a guerra contra a Ucrânia a partir desta indústria, apoiada pela fraca aplicação das sanções e pela venda de recursos à China e à Índia com descontos substanciais.
Eis os passos mais importantes que o mundo democrático deve dar, no sentido de reduzir a influência da Rússia no sector da energia e diminuir a sua capacidade de ganhar mais dinheiro para a guerra:
1. Reduzir o limite máximo do preço do petróleo. Em 5 de dezembro de 2022, a UE e o Reino Unido deram um passo significativo ao proibir as importações de petróleo bruto da Rússia. Como o país agressor enfrenta uma queda nas receitas fiscais de outras fontes devido às sanções e um colapso nas receitas das exportações de gás, a sua dependência das receitas do petróleo aumentou. Sendo um parceiro geopolítico tóxico e tendo em conta as atuais proibições e limites máximos de preços do petróleo, a Rússia precisa de persuadir outros compradores, oferecendo descontos mais elevados. A redução do preço máximo do petróleo russo é uma forma de reduzir as suas receitas provenientes do sector da energia.
— A forma mais importante de reduzir ainda mais as receitas de exportação da Rússia será fazer descer o preço máximo do petróleo. O governo russo cobra impostos sobre a diferença entre os custos de produção, transporte do petróleo e o preço de venda, pelo que baixar o preço máximo para um nível próximo do custo de produção privará o governo da capacidade de financiar a guerra com as receitas do petróleo. O nosso nível recomendado é de 25-35 dólares, o que continuaria a ser bastante superior aos custos de produção e de transporte, incentivando a continuação da oferta e reduzindo significativamente as receitas da Rússia.
Centro de Investigação sobre Energia e Ar Limpo (CREA)
2. Aplicação rigorosa de sanções e implementação de limite de preço do petróleo. Aplicar sanções e controlar a sua implementação é crucial porque a Rússia continua a financiar a guerra se as sanções estiverem apenas no papel. Para garantir um impacto significativo das sanções, a Rússia deve enfrentar restrições financeiras. Se o cumprimento do limite de preço do petróleo permanecer fraco, isto envia um sinal preocupante para a comunidade global de que as sanções podem não ter os dentes necessários para deter Estados desonestos. A importância de uma aplicação robusta não pode ser exagerada, pois afeta as ações da Rússia e estabelece um precedente para outras nações como o Irão, Coreia do Norte e China. Uma posição firme sobre a aplicação é essencial, a fim de garantir a eficácia das sanções e manter as normas internacionais.
3. Procurar alternativas energéticas. A rejeição do abastecimento energético russo levou a Europa a preparar-se para a transição ecológica e a investir em energias alternativas. Apesar do papel de Moscovo no início da crise energética, o investimento global em energias renováveis ultrapassou $1 bilião, em 2022, à medida que as energias renováveis se tornaram cada vez mais competitivas. Essa mudança resultou na produção recorde de eletricidade por parques solares e eólicos, o que deve ser encarado como um novo normal.
Cumprimento das sanções como forma de impedir os crimes de guerra russos
As ações das multinacionais, empresas de tecnologia e fabricantes não podem ser vistas isoladamente da política ou da geopolítica. Quando uma empresa deliberadamente vende a sua tecnologia para a Rússia ou permite que ela chegue lá devido a lacunas no controlo das exportações, isso tem consequências de longo alcance. Essas tecnologias são integradas em mísseis russos que matam civis ucranianos ou ajudam o país agressor a construir armamento avançado, permitindo-lhes prolongar a guerra. É importante enfatizar que não há garantia de que a Rússia pare na Ucrânia. Houve casos em que as armas russas entraram no território dos países da NATO sem repercussões. Num incidente, um míssil matou um indivíduo na Polónia; noutro caso, um drone caiu na Roménia, ambos Estados-membros da NATO.
A invasão russa da Ucrânia em curso resultou num número impressionante de 100.000 crimes de guerra documentados e numa crise humanitária. Apesar da pressão internacional, a Rússia tem desrespeitado persistentemente acordos e leis internacionais. Também se recusa a cooperar em questões relacionadas com as leis da guerra, criadas para proteger a população civil. Questões fundamentais como a repatriação de ucranianos deportados à força, a libertação de civis e prisioneiros de guerra ucranianos detidos e a concessão de liberdades fundamentais às pessoas em áreas ocupadas mereceram sempre uma resposta indiferente da Rússia. Não há indicação de que a Rússia planeie alterar a sua abordagem.
Crianças ucranianas deportadas da região de Donetsk para Volgogrado em processo de militarização. Fonte da foto: Ocupantes russos.
Para lidar com essas graves violações do direito internacional e exercer influência sobre o comportamento político e geopolítico da Rússia, é essencial enfraquecer a máquina de guerra russa, implementando efetivamente sanções, endurecendo o controlo das exportações, reforçando a responsabilidade empresarial e exercendo pressão sobre os aliados russos e os chamados países neutros.
Os crimes de guerra persistirão enquanto a Rússia se recusar a reconhecer a sua derrota. Embora as sanções possam não produzir resultados imediatos, são cruciais para acabar mais cedo com a guerra de atrito russa contra a Ucrânia e limitar as possibilidades do Kremlin de travar novas guerras. A aplicação de sanções não é apenas uma manobra política, mas um imperativo humanitário. As sanções são um meio tangível para diminuir as capacidades de guerra da Rússia e obrigar o Kremlin a focar-se definitivamente em terminar a invasão.