“Shchedryk”. Uma música conhecida com uma história desconhecida

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“Shchedryk” soou e continua a soar tanto em casas ucranianas como nas melhores salas de concerto do mundo. A “Shchedrivka” (género de canção tradicional folclórica ucraniana – tr.), a base na qual o compositor Mykola Leontovych criou uma canção lendária, conquistou o mundo. Mas poucas pessoas sabem que ela também se tornou um símbolo da longa luta dos ucranianos para conquistar a sua independência da Rússia. Em 2022, completaram-se 100 anos desde a estreia americana de “Shchedryk” e 145 anos desde o nascimento do brilhante compositor Mykola Leontovych.

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A maior parte do material de investigação é publicada pela primeira vez, pelo que o seu uso só é possível com a permissão da autora ([email protected]).

Contamos a história ainda desconhecida de uma das músicas mais famosas do mundo. Essa pesquisa foi possível graças ao processamento de materiais de arquivo, acesso aos quais foi proibido por mais de meio século. O caso foi retomado por Tina Peresunko, pesquisadora do Instituto de Arqueografia Ucraniana e Estudos de Fontes de M. Hrushevskyi da Academia Nacional de Ciências da Ucrânia, fundadora do Instituto Leontovych e autora do livro “Diplomacia Cultural de Symon Petliura: ‘Shchedryk’ contra o ‘mundo russo’. Missão do Coro de Oleksandr Koshyts (1919–1924)”. Ela foi a primeira a pesquisar a história da internacionalização de “Shchedryk” e a mostrar como os eventos de há 100 anos atrás ainda ressoam hoje.

“Não estou a reclamar. Para um verdadeiro artista, um legado de vida
deve ser trabalhar em plena capacidade em todas as circunstâncias.”
Mykola Leontovych

Esta música tornou-se um símbolo do Natal. É interpretada pelos músicos mais famosos do planeta, ela soa em filmes e publicidade, é batida com bolas por jogadores de basquete da NBA. Esta é a “koliadka” (género de uma canção natalina ucraniana — tr.) “Carol of the Bells”, que traz alegria a todas as nações que celebram o Natal.

NBA
Associação Nacional de Basquetebol (NBA) A Associação Nacional de Basquetebol é uma liga profissional de basquetebol masculino na América do Norte.

No entanto, poucas pessoas no mundo ainda sabem que a música tem raízes pré-cristãs e provém da Ucrânia. O seu nome autêntico é “Shchedryk”. A melodia dela é baseada na antiga canção ucraniana e foi escrita pelo talentoso compositor ucraniano Mykola Leontovych. Antes de se tornar um símbolo do Natal, a melodia foi um sucesso da diplomacia ucraniana na Europa e até mesmo um instrumento da luta ucraniana para conquistar sua independência da Rússia. Em 1919, a música foi tocada pela primeira vez em Praga, e em 1922 — em Nova Iorque. E só em 1936 nasceu a sua versão em inglês, “Carol of the Bells”.

De “shchedrivka” a “koliadka”

“Carol of the Bells — canção natalina ucraniana; música de M. Leontovych; letras e arranjo de P. Wilhousky”. Isso foi indicado na partitura, que foi publicada em Nova Iorque em 1936 pela editora de música Carl Fisher. O mesmo é registado nas inúmeras notas da canção “Carol of the Bells”, que os seus intérpretes abrem todos os anos no Natal em todos os cantos do planeta. No entanto, curiosamente, esta peça musical não tem nada a ver com o Natal, não é uma canção de Natal e nem sequer está relacionada com o inverno.

Extrato do Catálogo do Registo de Direitos de Autor dos EUA, 1937

Esta é uma antiga canção ritual ucraniana que foi cantada na primavera: em março, quando as andorinhas estavam a voltar para casa. Pertence ao género de “shchedrivka” — canção de Ano Novo verdadeiramente ucraniana que foi executada no território da antiga Ucrânia antes mesmo da adoção do cristianismo. Então, nas nossas terras, o Ano Novo foi celebrado em março. Portanto, no texto original, ao contrário do inglês, trata-se de uma andorinha, e não de sinos (como no “Carol of the bells”— tr.), e o nome verdadeiro da música é “Shchedryk”, da palavra “shchedryi” (“generoso”), que também significa frutífero, vivificante. Durante séculos, foi uma simples melodia de uma voz com quatro notas.

“Shchedryk” soava durante a celebração de “Shchedryi vechir” (ou “noite generosa” — tr.), quando toda a família se reunia à mesa e comemorava o Ano Novo. As mesas estavam cheias de comida deliciosa, e os jovens ou crianças iam de casa em casa e cantavam sob as janelas:

Shchedryk, Shchedryk, Shchedrivochka,

Uma andorinha voou para nós,

E começou a chilrear,

chamando o anfitrião:

Saia, saia, o anfitrião,

Olhe para o curral,

Lá as ovelhas pariram,

E os cordeiros nasceram.

Todo o seu rebanho é bom,

Terá bastante dinheiro.

Se não ganhar dinheiro, que é uma palha,

Tem uma mulher de sobrancelhas pretas.

Shchedryk, Shchedryk, Shchedrivochka,

Uma andorinha voou para nós.

Em contraste com o rito semelhante de executar canções de Natal (chamadas “koliadkas” em ucraniano — tr.) , que glorificam o nascimento de Cristo, as “shchedrivkas” elogiam o anfitrião e a sua esposa com filhos e desejam a uma família prosperidade, boa colheita e aumento de gado no ano novo. Em troca, os cantores recebiam uma gratificação: comida ou dinheiro.

Quando a celebração do Ano Novo foi movida para o inverno, as “shchedrivkas” começaram a ser cantadas em janeiro, uma semana após o Natal.

Um fragmento de uma pintura com cantores ucranianos de koliadkas, 1883 (da coleção privada de Anatolii Paladiichuk)

O aparecimento de “Shchedryk” na adaptação de Mykola Leontovych

Por muito tempo, a canção existiu no folclore ucraniano, até que, na virada do século XX, foi ouvida pelo talentoso compositor ucraniano Mykola Leontovych (1877-1921). Baseando-se numa simples melodia de uma voz, ele escreveu a obra-prima coral que o mundo inteiro agora canta no Natal.

O compositor ucraniano Mykola Leontovych, autor da melodia Carol of the Bells

O compositor assumiu a criação do futuro hino natalino de sucesso em 1910. Então, seguindo o conselho do professor do Conservatório de Kyiv, Boleslav Yavorskyi, ele integrou o efeito “ostinato” em “Shchedryk” – o mesmo princípio de repetição da melodia principal da música (as quatro notas primárias), que nos próximos cem anos seria interpretado por artistas de vários géneros musicais.

Mykola Leontovych tomou como base textual a versão de “Shchedryk” proveniente de Volyn (região na Ucrânia — tr.), que foi gravada por folcloristas na cidade de Krasnopil na área de Políssia e publicada numa das coleções de canções ucranianas. Embora a popular “shchedrivka” pudesse ter soado também em outra área da Ucrânia, Podillia, de onde o compositor era. Talvez ele mesmo a tenha cantado perto de casas quando era criança.

Naquela época, o folclore ucraniano era admirado por muitos compositores ucranianos. Eles percorriam as aldeias, gravavam canções folclóricas “da boca” de pessoas comuns e criavam as suas próprias obras corais com base nelas. Durante os seus estudos no Seminário Teológico de Podillia, Mykola Leontovych fez várias expedições folclóricas, tendo criado mais de cem obras-primas corais com base nelas. A maioria das canções folclóricas ucranianas eram exemplos de polifonia magnífica, isto é, de cantos de múltiplas vozes. Os compositores apenas aperfeiçoaram isso. No entanto, a natureza musical de algumas obras, em particular de “Shchedryk”, era bastante simples, pelo que o seu processamento significava a criação duma obra musical independente.

Mykola Leontovych trabalhou na sua obra-prima durante anos. Seis anos depois, em agosto de 1916, ele enviou o manuscrito de “Shchedryk” (canções para um coro misto a cappella, isto é, o canto sem acompanhamento musical) ao famoso maestro de Kyiv, Oleksandr Koshyts. Em poucos meses, a música foi tocada pela primeira vez em Kyiv.

Coro misto
Um coro composto por vozes femininas e masculinas.

Um fragmento da página da primeira edição de Shchedryk, de Mykola Leontovych, 1918

Isso aconteceu em 29 de dezembro de 1916, durante um concerto de Natal no salão da Assembleia de comerciantes (agora a Filarmónica Nacional da Ucrânia). “Shchedrivka” foi cantada pelo coro de estudantes da Universidade de São Volodymyr de Kyiv sob a direção de Oleksandr Koshyts. O maestro lembrou que a performance foi muito bem sucedida, e a música imediatamente despertou a admiração do público.

No entanto, como é que “Shchedryk” chegou ao exterior? Aqui passamos da cultura para a política.

O edifício da Assembleia de Comerciantes

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Os membros do coro juntamente com Oleksandr Koshyts

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“Shchedryk” na luta pela independência da Ucrânia

Três meses após a estreia da música em Kyiv, ocorreram mudanças tectónicas na história do povo ucraniano. Em fevereiro de 1917, ocorreu uma revolução no Império Russo, que na época incluía terras ucranianas. O czar russo Nicolau II abdicou do trono, e as nações escravizadas pelo império começaram a luta pela independência.

A Finlândia foi a primeira a sair da “prisão dos povos”, declarando a independência em dezembro de 1917. Em 22 de janeiro de 1918, a República Popular da Ucrânia (RPU) foi o segundo estado a proclamar a sua independência. O mesmo passo seguiram os Estados Bálticos, o Sul do Cáucaso e a Polónia.

Manifestação ucraniana em Kyiv, 1918. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

O primeiro governo nacional foi imediatamente estabelecido em Kyiv, onde Mykola Leontovych também foi convidado a trabalhar. Juntamente com o “padrinho” de “Shchedryk”, Oleksandr Koshyts, e outros compositores ucranianos, ele trabalhou até tarde no departamento de música do Ministério da Educação e Artes da Ucrânia. Autoridades escreveram e publicaram manuais musicais ucranianos, fundaram coros nacionais, abriram escolas ucranianas, fazendo o que até recentemente teria sido imediatamente proibido pela Rússia czarista como uma manifestação de “separatismo”.

No entanto, a música ucraniana não tocou por muito tempo. Em outubro de 1917, os bolcheviques tomaram o poder em Moscou. Apesar da declaração do direito dos povos não russos à autodeterminação, eles lançaram guerras híbridas contra os estados formados no território do antigo Império Russo e assumiram a ocupação da Ucrânia com particular zelo, chamando-a de “libertação” dos “chauvinistas”.

Bolcheviques
Nome atribuído aos comunistas russos.

Fragmento da pintura de Vladimir Serov "Lenin proclama o poder soviético", 1947

Inicialmente, os “libertadores” tomaram Kharkiv, proclamando lá a República Popular Ucraniana dos Sovietes fantoche. Logo, uma ofensiva em grande escala em Kyiv foi lançada sob o slogan “não estamos lá” e que este é um conflito interno ucraniano: entre as autoridades de Kharkiv e o governo de “chauvinistas de Kyiv”.

Cartaz de Propaganda do Exército Branco

Em um esforço para combater a invasão russa, a Ucrânia volta para o Ocidente em busca de ajuda. A Alemanha e a Áustria-Hungria foram as primeiras a reconhecer a independência ucraniana e também forneceram ao governo ucraniano assistência militar na luta contra os bolcheviques. Mas a palavra principal era a da Tríplice Entente, a aliança dos países vitoriosos na Primeira Guerra Mundial (incluindo a França, Grã-Bretanha, e os EUA). Por algum tempo, esse bloco incluiu a Rússia czarista, que simpatizava com o Ocidente, acreditando que o seu único problema eram os bolcheviques. Os países ocidentais não estavam satisfeitos com os seus planos expansionistas, por isso impuseram sanções económicas e um bloqueio diplomático contra os russos “vermelhos”. E para suprimir o Exército Vermelho russo, em dezembro de 1918, tropas francesas desembarcaram em Odesa.

Parecia que era a ajuda necessária para a Ucrânia! No entanto, isso foi um ato de apoio de outros imperialistas russos, do Exército Branco, ex-generais czaristas que buscavam revitalizar a grandeza e a ordem da Rússia pré-revolucionária. Os seus parceiros ocidentais, especialmente a França, procuraram devolver à Rússia essa mesma ordem, tão familiar para o Ocidente.

Exército Branco
Representantes do movimento político-militar, oposicionista ao governo soviético, que operou em 1917—1923. Houve vários nomes usados para denominar o movimento:"Exército Branco", "Movimento Branco", "Assunto Branco", etc. (bem como os usados para o lado do inimigo: "Exército Vermelho", "os vermelhos", etc.) e que são associados com o cor dos símbolos que eles usavam. No entanto, os "brancos" chamavam a si mesmos de Exército Voluntário na época, enquanto o nome que é usado agora entrou em circulação somente nos tempos soviéticos.

Para isso, como os propagandistas russos asseguraram ao Ocidente, era necessário derrotar não apenas os bolcheviques (russos “maus”), mas também todos os “separatistas” russos, em particular os ucranianos, diziam eles, afirmando que tal nação não existe. Este é um “ramo da nação russa,” disse o chefe do Exército Branco Anton Denikin. E a Ucrânia, segundo ele, é um subestado insustentável, uma criação do estado-maior alemão. Como resultado, os “vermelhos” juntamente com os “brancos” começaram a “libertar” Kyiv, “a mãe das cidades russas”, segundo eles, com o apoio armado do Ocidente.

Militares franceses com representantes do Exército Branco, em tanques Renault, Odesa, 1919

Como os ucranianos podem se libertar desses “abraços fraternos”? Como convencer o Ocidente de que é uma nação separada dos russos? Aqui, uma canção entra na arena da diplomacia ucraniana.

Diplomacia musical da Ucrânia

É necessário abrir a Ucrânia ao mundo através da cultura, decide o então chefe do estado ucraniano e comandante-chefe do exército da República Popular da Ucrânia Symon Petliura (1879-1926). E envia um coro para o oeste.

Symon Petliura

Ele estava bem ciente de que a propaganda russa enraizada no Ocidente não poderia ser quebrada por discursos políticos: o mundo olhou para a Ucrânia através de óculos russos por demasiado tempo. Em vez disso, foi decidido tentar mudar a atitude dos líderes ocidentais em relação à Ucrânia por uma canção que falaria uma linguagem diplomática universal, a da música, das profundezas da alma ucraniana. Além disso, Symon Petliura era bem versado em cultura, pois antes de se tornar político, trabalhou como editor e jornalista por vinte anos.  Ele escreveu não apenas análises políticas, mas também resenhas teatrais, artigos críticos sobre literatura, traduzidos do francês para o ucraniano, palestras sobre a história da arte ucraniana e conhecia pessoalmente quase todas as figuras culturais da Ucrânia.

Além disso, Symon Petliura adorava concertos. Durante um deles, ele ouviu a música de Mykola Leontovych. Não “Shchedryk”, mas “Lenda”. Esta obra do compositor foi executada pelo coro sob a direção de Oleksandr Koshyts em 1 de janeiro de 1919. A música impressionou tanto o líder ucraniano, segundo as recordações dos seus contemporâneos, que ele imediatamente encarregou o maestro a sair em turnê pela Europa.

Os coristas tiveram que ir urgentemente, em primeiro lugar, a Paris. Afinal, em poucas semanas começaram as reuniões da Conferência de Paz de Paris — o maior congresso diplomático da Europa naquela época, onde os líderes dos estados vitoriosos na Primeira Guerra Mundial iriam criar um mapa do mundo pós-guerra. Nessa conferência, como prometido à Ucrânia por políticos ocidentais, a questão do seu reconhecimento internacional também deveria ser resolvida.

Como critério básico da nova ordem mundial foi definido o princípio do direito das nações à autodeterminação, declarado na véspera do evento pelo presidente dos EUA, Woodrow Wilson. Os ucranianos esperavam que o seu direito à independência fosse reconhecido da mesma forma que os direitos dos poloneses, finlandeses ou lituanos.

Líderes da Entente, em Paris, 1919 (da esquerda para a direita, em primeiro plano): o primeiro-ministro britânico, David Lloyd George, o primeiro-ministro da República Francesa, Georges Clemenceau, e o presidente dos EUA, Woodrow Wilson

Para provar ao mundo que os ucranianos são uma nação distinta, o país anunciou um “show de talentos”: os melhores cantores de toda a Ucrânia foram convocados, os compositores mais famosos foram convidados a cooperar e os fundos do orçamento foram alocados com urgência para a turnê do coro na Europa.

Então foi pedido a Mykola Leontovych para partilhar as músicas dele para serem usadas nas turnês europeias. No entanto, como lembraram testemunhas, ele recusou modestamente: “As minhas músicas são tão inaptamente compostas que não caem para ser tocadas no palco de Praga ou Paris”. Não havia tempo para persuasão: o exército russo aproximava-se da capital, então os coristas, como lembrou um deles, levaram as obras do compositor sem permissão. Em 4 de fevereiro de 1919, os enviados musicais da República Popular da Ucrânia partiram para o Oeste no último comboio de evacuação. No dia seguinte, o exército de ocupantes russos invadiu Kyiv.

“Canto, logo existo”

A estreia do coro de Oleksandr Koshyts ocorreu em 11 de maio de 1919 em Praga, três meses depois de ele ter deixado Kyiv. Era difícil sair para o exterior. Na Ucrânia, a lei marcial foi declarada: as ferrovias foram destruídas, os ministérios foram evacuados, não foi fácil receber os fundos prometidos pelo governo. O exército russo estava a aproximar-se, a probabilidade de ser capturado ou acabar no território ocupado foi uma questão de poucas horas. Então, os cantores tiveram que superar quase mil quilômetros até a fronteira oeste quase a pé.

Apesar do cansaço, a estreia ucraniana foi um sucesso. Neste dia, “Shchedryk” de Mykola Leontovych foi realizada pela primeira vez no exterior.

Página inicial do folheto da estreia ucraniana em Praga, 1919. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

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Coro ucraniano em Praga, 1919. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

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“Então, senhores modernistas, que precisam de 20 linhas da partitura para expressar a sua opinião insignificante, tentem fazê-lo em 4 linhas, como compositores ucranianos!” professor da Universidade Carolina Zdeněk Nejedlý disse com entusiasmo após o concerto.

A abundância de canções ucranianas e, ao mesmo tempo, a sua simplicidade e ritmo conquistaram imediatamente os músicos checos. Todos gostaram especialmente da “chilreante” canção “Shchedryk” que, como escreveram os críticos, lembrava das canções natalinas checas.

A simpatia pelo folclore ucraniano despertou, como esperava Symon Petliura, o interesse pela própria Ucrânia. O famoso maestro checo Jaroslav Křička, que anteriormente não compartilhava o desejo de independência da Ucrânia, escreveu na revista Hudebni revue após o concerto do coro em Praga: “É difícil para a mão escrever críticas enquanto o coração canta elogios. Os ucranianos vieram e venceram. Acho que sabíamos pouco sobre eles e os ofendemos, inconscientemente e sem informações, por conectá-los contra a sua vontade com o povo russo. O nosso desejo de uma “Rússia grande e indivisível” é um argumento fraco contra a natureza de todo o povo ucraniano, para quem a independência é tudo, como já foi para nós.”

Depois de uma turnê na Checoslováquia, o coro viajou para a Áustria e a Suíça. Concertos ucranianos foram realizados em Viena, Baden, Lausanne, Zurique, Genebra, Basileia e Berna. Em todos os lugares a imprensa não restringiu o entusiasmo: “como são lindas essas canções”, “um fenómeno real está diante de nós”, “a alma de todo um povo fala com os lábios de cantores”. “Shchedryk” de Mykola Leontovych também é reconhecido aqui.

“Uma obra chamada “Shchedryk” com a sua repetição contínua de quatro notas, com acompanhamento e harmonização infinitamente variados: tais canções primaveris são absolutamente requintadas”, escreveu o correspondente do jornal de Genebra La Suisse.

Os concertos do coro continuaram a abrir a Ucrânia ao público ocidental. Várias centenas de resenhas foram publicadas e muitos críticos apoiaram cada vez mais os ucranianos na luta pela independência.

“A República Ucraniana procura restaurar a sua independência”, escreveu o correspondente do jornal suíço La Patrie Suisse, “e, portanto, decidiu mostrar claramente que é (independente — tr.). “Eu canto, logo existo”, afirma. E ela canta incrivelmente.”

“A maturidade cultural da Ucrânia deve legitimar a independência política para o mundo”, resumiu a imprensa vienense.

Folheto da estreia ucraniana, em Viena. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

"Shchedryk", de Mykola Leontovych, no repertório. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Seria bom ter opiniões parecidas de jornalistas parisienses. No entanto, os ucranianos, como representantes de um estado não reconhecido, não foram permitidos na França. Naquela época, nem mesmo a missão diplomática oficial da RPU foi autorizada a participar das reuniões da Conferência de Paz de Paris. Os líderes ocidentais preferiram falar sobre a Ucrânia sem a Ucrânia.

Mas o avanço finalmente aconteceu — o embaixador da França visitou o concerto ucraniano em Berna. Fascinado pelo canto ucraniano, ele escreveu urgentemente uma carta de recomendação ao Ministro das Relações Exteriores da França e deu permissão aos coristas para fazer uma turnê em outubro de 1919.

Український хор разом із головою O coro ucraniano junto com o chefe da missão diplomática da RPU, Mykola Vasylko, na cidade de Berna, Suíça, 1919. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrâniaмісії УНР Миколою Васильком у місті Берн, Швейцарія, 1919 рік. Джерело: ЦДАВО України

“Os que estão prestes a morrer saúdam-te!”

Nove meses depois de partir de Kyiv, em 3 de novembro de 1919, cantores ucranianos chegaram a Paris. No entanto, aqui quase tudo já havia sido decidido para a Ucrânia. Com o consentimento dos líderes da Entente, as terras ucranianas são divididas entre vizinhos: a Ucrânia central é dada à “Rússia unida e indivisível” (aos “brancos”), a Halychyná à Polónia, a Bukovyna à Roménia e a Transcarpácia à Checoslováquia. O mundo ocidental não reconheceu a independência da Ucrânia. O direito da nação ucraniana de quarenta milhões à autodeterminação foi negligenciado.

«єдиній і неподільній Росії» (білогвардійцям), Галичину — Польщі, Буковину — Румунії, а Закарпаття — Чехословаччині. Незалежність України західний світ не визнає. Правом сорокамільйонної української нації на самовизначення знехтувано.

Divisão dos territórios da Ucrânia
Em 26 de maio de 1919, o Conselho Supremo da Conferência de Paz de Paris reconheceu o almirante do Exército Branco, O. Kolchak, como o governante supremo de todas as terras do antigo Império Russo, incluindo a parte central da Ucrânia ao longo do rio Dnipro. A Halychyná foi transferida para a Polónia em 25 de junho de 1919 sob as condições de conceder autonomia à região e liberdade política, religiosa e pessoal à população ucraniana (essas condições não foram cumpridas pelo governo polaco). A Transcarpátia foi transferida para a Checoslováquia de acordo com o Tratado de Saint-Germain-en-Laye adotado nas reuniões da conferência (10 de setembro de 1919); a Bukovyna – para a Romênia de acordo com o Tratado de Trianon (4 de junho de 1920).

Cartaz "Paz Mundial na Ucrânia!", autores: Heorhii Hasenko e Verté, 1919

Mesmo assim, Symon Petliura não perdeu a esperança pelo apoio internacional. No outono de 1919, quando o exército ucraniano estava cercado por inimigos, ele pediu aos líderes da Entente que dessem à Ucrânia, se não armas, pelo menos remédios, e pelo menos levassem representantes da Cruz Vermelha aos soldados ucranianos feridos.

“Três quartos dos nossos cossacos estão sem botas e roupas; no entanto, o seu espírito está vivo! — Symon Petliura escreveu ao chefe do Departamento de Nacionalidades do Parlamento francês, Jean Pelissier. — Não temos remédios; o tifo está a dizimar nosso exército, muitos feridos morrem porque não temos remédios nem roupa suficientes. E os estados da Entente, que proclamam altos princípios, proíbem a Cruz Vermelha de vir até nós! Estamos a morrer, e a Entente, como Pilatos, está a lavar as mãos, portanto não temos escolha a não ser gritar para eles: “Morituri te salutant!””.

"Morituri te salutant!"
Saudação tradicional de gladiadores a César antes da sua entrada na arena (lat. "Os que estão prestes a morrer saúdam-te!"

Os concertos do coro em Paris foram um espetáculo triste e grandioso. Em 6 de novembro de 1919, cantores ucranianos sobem ao palco do teatro parisiense Gaveau na atmosfera de: “Os que estão prestes a morrer saúdam-te!”. E mesmo assim, emigrantes russos tentaram atrapalhar a estreia: queriam dar vaias ao hino da Ucrânia e declarar os coristas inimigos da França. Mas eles falharam.

Cartazes de concertos de estreia ucraniana no Gaveau Hall, em Paris, novembro de 1919. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Cartazes de concertos de estreia ucraniana no Gaveau Hall, em Paris, novembro de 1919. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

“Nenhum coro, nem francês nem estrangeiro, ainda não apresentou algo deste tipo aqui”, escreveu o crítico impressionado do jornal Le Nouvelliste. “Este coro tornou-se uma revelação para nós, pertence à classe mais alta”, responderam os jornalistas do jornal Le Figaro.

A música de Mykola Leontovych adquire uma atitude especial do público local aqui também. O correspondente do New York Herald em Paris observou: “No repertório dos ucranianos, gostamos da gradação dos motivos, do seu orientalismo característico, bem como das explosões de alegria sincera, especialmente em “Shchedryk” — uma música que tem um começo repentino e na qual o efeito do humor verdadeiramente maravilhoso é atingido por uma simples gradação de vozes”.

Orientalismo
Na arte — a corrente do século XIX, que utilizava ativamente motivos, enredos e estilos orientais. Em um sentido mais amplo, o conceito de Oriente (lat. oriens – Oriente, orientalis), que é tradicionalmente contrastado com o conceito de Ocidente.

Além de “Shchedryk”, o público parisiense também gostou de outras canções do compositor: “Ó, eu fio, eu fio”, “Ó lá atrás da montanha”, e o coral (música para coros de igrejas) “Á Nossa Senhora de Pochaiv”. Os parisienses traduziram-no à sua maneira — Notre D’ame de Potchaïv. Quando era estudante, Mykola Leontovych gravou esta obra antiga em primeira mão de um lirista numa das aldeias ucranianas em Podillia.

Outras canções ucranianas no arranjo de compositores famosos também foram tocadas durante os concertos. Entre os mais populares foram: “Ó, na colina”, de Kyrylo Stetsenko, “O violino toca na rua”, de Oleksandr Koshyts, “Fui colher cogumelos”, de Mykola Lysenko, bem como os hinos da Ucrânia e da França.

“Os seus coristas superaram todas as minhas expectativas… — o professor da Sorbonne Charles Seignobos escreveu em uma carta a Oleksandr Koshyts. — Senti algo assim muito tempo atrás quando ouvi as obras de Wagner em Munique. Nenhuma propaganda não pode ser mais eficaz para o reconhecimento da nação ucraniana.”

Cartão de visita de Charles Seignobos. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

No entanto, a “propaganda” acabou sendo atrasada: o governo francês demorou muito tempo para atribuir vistos aos cantores. A Ucrânia foi ocupada, então eles não tinham escolha a não ser continuar a trazer a arte ucraniana para o mundo. Ainda por cima, a demanda por ela cresceu em proporção igual à perda de esperanças de apoio internacional à Ucrânia.

“Por que não tínhamos conhecido essa escola de música até agora?”

Em novembro-dezembro de 1919, o coro de Oleksandr Koshyts apresentou-se em Bordeaux, Toulouse, Lyon, Marselha e Nice. Em todos os lugares, como Symon Petliura esperava, o público francês chegou a conclusões políticas. O professor do Conservatório de Toulouse, Georges Guiraud, escreveu após a estreia em Toulouse: era-nos dito que a Ucrânia fazia parte da Rússia, então por que o governo russo escondeu a música ucraniana dos europeus?

“Sabemos os nomes de famosos compositores russos — Borodin, Rimsky-Korsakov, Mussorgsky”, observou ele no seu artigo no jornal L’express du Midi, “mas nunca houve nenhuma palavra de compositores ucranianos. “Por que não tínhamos conhecido essa escola de música até agora?” Será que ela foi destruída pelo peso da glória dos seus colegas russos?”

Retrato do compositor Oleksandr Koshyts de folhetos dos concertos ucranianos, em França, 1919. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Retrato do compositor Mykola Lysenko de folhetos dos concertos ucranianos, em França, 1919. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Retrato do compositor Kyrylo Stetsenko de folhetos dos concertos ucranianos, em França, 1919. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

O governo russo não só escondeu a música ucraniana do mundo inteiro por um longo tempo, mas também proibiu que ela fosse executada pelos próprios ucranianos. Em 1863, o Ministro do Interior da Rússia, Petr Valuev, emitiu uma circular (Circular de Valuev) proibindo os ucranianos de imprimir não apenas livros em língua ucraniana, mas também textos de canções folclóricas ucranianas. Outro documento desse tipo — o Decreto Ems — foi emitido pelo czar Alexandre II em 1876. Até mesmo espetáculos em língua ucraniana e concertos com repertório musical ucraniano foram proibidos. O fundador da escola de música ucraniana Mykola Lysenko (1842–1912), o professor de Mykola Leontovych, foi chamado de “compositor-separatista” por funcionários da Rússia czarista, e as suas obras foram censuradas. Mesmo Symon Petliura foi expulso em 1901 do último ano do seminário devido ao fato de que o coro de estudantes sob a sua liderança executou sem autorização a cantata “Rápidos batem” de Mykola Lysenko, proibida pelas autoridades.

Portanto, como o coro ucraniano eloquentemente insinuou aos franceses, a cultura ucraniana pode estar presente no mundo e existir em geral apenas com uma Ucrânia independente.

Em algum momento, os ucranianos quase conseguiram transmitir isso à liderança política da França: os concertos do coro foram admirados por Teresa Clemenceau, filha do primeiro-ministro francês Georges Clemenceau, que presidiu as reuniões da Conferência de Paz de Paris. Ela prometeu a Oleksandr Koshyts organizar concertos do coro na Ópera Nacional de Paris e levar o seu pai, um defensor da “Rússia unida e indivisível”, para lá.

No entanto, os ucranianos foram novamente recusados com a justificação de que a performance do coro no teatro estatal de Paris seria equivalente ao reconhecimento político da independência ucraniana pela França. “Perguntei sobre a sala de ópera”, escreveu Clemenceau aos coristas. — De fato, não poderemos fornecer-lhes um salão nos teatros apoiados por nós. ”

Carta de Teresa Clemenceau ao coro, dezembro de 1919. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Teresa Clemenceau

Os cantores ucranianos ficaram sem nada. Assim como o estado ucraniano. E assim como o compositor Mykola Leontovych, que naquela época foi forçado a se esconder do terror dos russos na Kyiv ocupada.

Terror russo em Kyiv

E de verdade, Mykola Leontovych tinha uma razão para esconder-se. Após a tomada da capital ucraniana em fevereiro de 1919, o exército bolchevique russo iniciou uma onda de terror. Ucranianos conscientes foram baleados e enterrados em valas comuns.

Bolcheviques russos saquearam as terras ucranianas ocupadas.

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Busto de Taras Shevchenko derrubado por russos em Kyiv, 1919

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O terror vermelho ficou branco quando, em agosto de 1919, Kyiv foi “libertada” pelo Exército Branco russo apoiado pelo Ocidente. Os “brancos” proibiram os ucranianos de usar o nome “Ucrânia”, destruíram os retratos do poeta nacional Taras Shevchenko e começaram a perseguir intelectuais ucranianos. Em novembro de 1919, eles atiraram nos escritores ucranianos Hnat Mykhailychenko e Vasyl Chumak que trabalhavam na revista “Mystetstvo” (“Arte” — tr.).

Naquela altura, Mykola Leontovych decidiu fugir da capital. “As Centenas Negras estavam a procurar-me: então tive que sair de Kyiv”, disse ele ao seu amigo Yakym Hrekh.

Centenas Negras
Esse era o nome dos monarquistas e ultranacionalistas russos que defendiam a autocracia russa e a indivisibilidade do Império Russo, cometiam ataques aos judeus e não reconheciam ucranianos e belorrussos como povos separados. Eles formavam o núcleo do exército branco da Rússia.

Mykola Leontovych com a esposa e a filha, 1903

Em novembro de 1919, quando o seu “Shchedryk” ganhou os aplausos do público francês, o compositor deixou a cidade. “De um casaco leve de verão nos ombros e um chapeu esquisito, completamente exaurido, resfriado”, lembraram os seus contemporâneos. Ele foi a pé até a cidade de Tulchyn, em Podillia. Um caminho de mais de 300 quilómetros.

Os próximos dois anos foram o período mais miserável da vida de Mykola Leontovych. Ele, a sua esposa e duas filhas faltavam o básico: comida e roupas. “Os meus pais muitas vezes mandavam-me visitar o meu avô em Markivka em vários feriados religiosos”, lembrou a filha do compositor, “com a esperança de que, quando eu voltasse, trouxesse um pouco de comida”.

E mesmo sob tais condições, Mykola Leontovych continuou a criar. Imediatamente depois de fugir de Kyiv, ele começou a escrever a primeira ópera da sua vida. Absorvido no trabalho e na pobreza, o compositor nem sequer conhecia a escala da sua fama internacional. E ela era grandiosa.

Ouvintes de “Shchedryk” exigiam um bis.

“Shchedryk no arranjo de Leontovych é uma obra-prima da arte folklórica”, escreveu o correspondente do jornal de Bruxelas Le XX Siècle em 10 de janeiro de 1920.

“Muitas das músicas foram executadas a pedido do público por um bis. Entre as mais originais e belas são “Shchedryk” e “Ó, lá atrás da montanha” — ambas criadas por Leontovych.” Esta é uma revisão da revista de Londres The Daily News and Leader de 4 de fevereiro de 1920. “O público notou que gostava mais dos arranjos de Leontovych, que muitas vezes eram convocados para um bis”, escreveu a revista Barcelona Das Noticias em fevereiro de 1921.

Coro ucraniano em Berlim, 1920. Fonte: Centro Histórico e Educacional Ucraniano (Somerset, EUA)

Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Depois de completar a turnê na França, o coro apresenta-se com grande sucesso na Bélgica, Holanda, Reino Unido, Alemanha, Polónia e Espanha. Alguns dos cantores vão até a África (Argélia, Tunísia). Em todos os concertos, as obras de Mykola Leontovych, e especialmente o seu “Shchedryk”, são um sucesso nas turnês e um cartão de visita musical da Ucrânia.

“O público recebe-nos calorosamente, somos chamados para um bis de “Shchedryk””, escreveu a cantora do coro Sofia Kolodiivna no seu diário de viagem sobre a estreia em Roterdão. “Críticos de todas as revistas de Amesterdão estão presentes no concerto. O público pede um bis de “Shchedryk””, escreveu ela sobre a apresentação em Amsterdão. “Cantamos bem, com um bom humor. Voltamos para um bis de “Shchedryk” de Leontovych,” escreve ela sobre a estreia em Haia.

É na Holanda que a música de Mykola Leontovych ganha a maior popularidade. Na capital do reino, Haia, ela era cantada nas ruas. O corista Pavlo Korsunovskyi lembrou-se de como, na manhã seguinte a um concerto na Ópera Real, foram despertados pelos gritos dos jornalistas.

“Mas ouvimos não os nomes dos jornais”, escreveu ele nas suas memórias, “mas o canto: “Shchedryk, Shchedryk”… Sem parar. É quase impossível dormir. Vestimo-nos com um amigo e vamos para a sala de jantar do hotel para ter um pequeno-almoço. Na mesa comum, ouvimos novamente: “Shchedryk, Shchedryk”… Na rua, a senhora mais velha inesperadamente correu até nós e cantou também: “Shchedryk-shchedryk”…”.

A Ópera Real em Haia, onde os ucranianos se apresentaram em janeiro de 1920

O mesmo aconteceu nas ruas de Varsóvia. O chefe do Departamento de Artes do Ministério da Cultura da Ucrânia, Pavlo Zaitsev, escreveu nas suas memórias: “Durante vários meses, de todas as casas onde havia pianos, foi ouvido “Shchedryk”.”

Em Berlim, professores alemães chamaram a “shchedrivka” de Leontovych de “haxixe” — teve um efeito tão narcótico no público. Em Londres, a redação da revista satírica The Punch declarou uma crise do “Colégio da Pronunciação Correta Cosmopolita”, porque os seus membros não conseguiram pronunciar o nome de “Shchedryk” — “uma das mais belas composições do programa”.

Um fragmento de uma publicação sobre o coro ucraniano na imprensa de Londres, em fevereiro de 1920. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

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Um fragmento de uma publicação sobre o coro ucraniano na imprensa de Londres, em fevereiro de 1920. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

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Na cidade belga de Liège, o futuro nomeado para o Prémio Nobel da Literatura  por quatro vezes, Franz Hellens, após a estreia do coro no Conservatório Real, escreveu: “Graças à poesia popular, a Ucrânia revela-se como um dos povos mais pitorescos da Europa Oriental”. E ao lado dessa reação apresentou uma amostra dessa poesia — “Shchedryk” traduzida para o francês.

Retrato de Frans Hellens (pintado por A. Modigliani)

Tradução de "Shchedryk" para o francês no artigo Le poésie populaire de l 'Ukraine de Franz Hellens (La Muise, 22 de janeiro de 1920). Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Na capital da Bélgica, Bruxelas, as estreias de “Shchedryk” foram de particular interesse para os flamengos, os habitantes da Flandres. Eles admiraram não apenas a canção de Mykola Leontovych, mas também todo o projeto de diplomacia musical da Ucrânia. “Symon Petliura internacionaliza a questão ucraniana com uma canção”, escreveu o correspondente do jornal Ons Vaderland e publicou o texto de “Shchedryk” em flamengo, que os habitantes da Flandres consideram a sua língua nativa.

Tradução de Shchedryk para o flamengo no jornal Ons Vaderland, 11 de janeiro de 1920. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Tradução de Shchedryk para o flamengo no jornal Ons Vaderland, 11 de janeiro de 1920. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

“Achamos que temos músicas que também podem mostrar ao mundo que nós, como os ucranianos, empenhamo-nos para manter a cabeça erguida”, escreveu um jornalista de outro jornal de Bruxelas De Volksgazet. — Os ucranianos deram-nos não apenas beleza, mas também uma palestra sobre autoconsciência nacional.”

Até mesmo o ministro das Relações Exteriores da Bélgica, Paul Hymans, que era contra a autodeterminação dos flamengos (assim como dos ucranianos), teve que apoiar o coro da RPU. E tudo porque o seu canto era admirado pela rainha Isabel da Bélgica (1876–1965). Após o concerto ucraniano em Bruxelas, ela disse ao maestro Oleksandr Koshyts: “O seu povo tem toda a minha simpatia” e deixou um autógrafo no livro de reações do coro. De acordo com o protocolo, todos os ministros presentes no concerto também tiveram que colocar as suas assinaturas.

Autodeterminação flamenga
A Flandres do século IX dependia da França. No final do século XVI, ela permaneceu sob um protetorado estrangeiro (espanhol, austríaco, francês), embora outras províncias tenham conseguido recuperar o seu estado. Após a derrota de Napoleão em 1814, a Flandres foi anexada à Holanda. Agora, a Flandres é uma região histórica no território da França, Bélgica e Holanda.

Autógrafos do ministro das Relações Exteriores da Bélgica, Paul Hymans, do prefeito de Bruxelas, Adolphe Max, e de outras autoridades belgas no livro de reações do coro, 1920. Fonte: Biblioteca Nacional da República Checa — Biblioteca Eslava (Praga)

Autógrafo da rainha Isabel da Bélgica no livro de reações do coro, 1920. Fonte: Biblioteca Nacional da República Checa — Biblioteca Eslava (Praga)

Rainha Isabel da Bélgica

Ministro das Relações Exteriores da Bélgica, Paul Hymans

Presidente da Câmara de Bruxelas, Adolphe Max

Durante dois anos de turnês europeias, o coro de Oleksandr Koshyts apresentou-se em 45 cidades de 10 países da Europa Ocidental como embaixador cultural da Ucrânia. Durante esse período, cerca de 600 reações sobre a Ucrânia e a cultura ucraniana foram publicadas na imprensa estrangeira. “Shchedryk” foi traduzido para inglês, francês, alemão, polaco, checo, flamengo e espanhol. A canção tornou-se a voz do povo ucraniano na luta pela independência. Além disso, era um “grito da nação”, como foi escrito sobre a turnê dos ucranianos na Suíça.

Traduções do nome "Shchedryk" para várias línguas europeias (de revisões de imprensa estrangeira, programas de concertos, cartas). Design de V. Horshkov. Fonte: livro de T. Peresunko "Cultural Diplomacy of Symon Petliura: "Shchedryk" against the"Russian World" ("Diplomacia Cultural de Symon Petliura: "Shchedryk" contra o "mundo russo"" — tr.) Missão da Capela de Oleksandr Koshyts (1919–1924)" (doravante — T. Peresunko "Diplomacia Cultural de Symon Petliura...")

Críticos europeus chamaram Mykola Leontovych de “Homero na Música”, Symon Petliura de “o comandante-em-chefe apaixonado pela arte” e Oleksandr Koshyts de “um dos melhores maestros corais da Europa”.

Oleksandr Koshyts durante um concerto em Berlim (recorte do Berliner Illustrierte Zeitung), 6 de junho de 1920. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Por toda parte, os mensageiros musicais ucranianos transmitiram de forma suave, mas convincente, ao público europeu: a Ucrânia está a lutar pela independência; a Ucrânia não é a Rússia; o folclore ucraniano é a prova da existência da nação ucraniana. Não com discursos políticos, mas com o charme das canções ucranianas e a sua dedicação no palco, eles inclinaram o mundo a favor da Ucrânia. Em resposta, receberam montanhas de cartas de apoio: de embaixadores e deputados europeus preocupados, diretores de academias de música, maestros e compositores famosos, críticos de música e ouvintes comuns.

“Eu já tinha uma simpatia ardente pela sua gloriosa Pátria”, escreveu uma das francesas ao coro, “e eu queria fazer algo por ela, mas não sabia o que. Agora eu sei: vou orar a Deus para que a Fé que eleva as nações, eleve as nações de todo o mundo para ajudarem a estabelecer a sua independência. ”

Cartaz de concertos ucranianos em Bruxelas, 1920. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Cartaz de concertos ucranianos em Londres, 1920. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Por um momento, as orações de milhares daqueles que não eram indiferentes foram ouvidas. Tendo concluído uma aliança político-militar com a Polónia, Symon Petliura conseguiu reconquistar Kyiv dos invasores russos em maio de 1920. Figuras ucranianas saíram imediatamente do ambiente clandestino e assumiram a criação da vida nacional. No entanto, não por muito tempo de novo. Dentro de dois meses, os russos fizeram os aliados recuar para as fronteiras ocidentais da Ucrânia, ameaçando desta vez com uma invasão não só de Varsóvia, mas também de Paris, Londres e Berlim. Apenas o exército polaco armado pela Entente, com o apoio dos soldados do exército da RPU, conseguiu travar a invasão russa perto de Varsóvia. Esta batalha seria chamada de “Milagre sobre o Vístula”.

Józef Piłsudski e Symon Petliura, 1920

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Jerzy Kossak. "Milagre sobre o Vístula em 15 de agosto de 1920"

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No entanto, não houve milagre para a Ucrânia. Exauridos pela guerra com os bolcheviques, os poloneses concluíram uma trégua com eles em outubro de 1920. A Polónia reconhece a independência da fantoche República Socialista Soviética Ucraniana criada pelos bolcheviques, concordando com a ocupação russa da parte central da Ucrânia. Terras ucranianas ocidentais são cedidas à Polónia. Symon Petliura não foi convidado para as negociações. E embora mais tarde o chefe do estado polonês Józef Piłsudski (1867–1935) pedisse perdão aos soldados do exército ucraniano. O estado ucraniano foi mais uma vez perdido. A única compensação de um aliado é o abrigo político para o governo e as tropas da RPU.

Assassinato de Mykola Leontovych

Em janeiro de 1921, o coro de Oleksandr Koshyts, usando o último dinheiro do governo, fez outra turné por Paris. No entanto, desta vez os coristas não precisaram de dinheiro e apoio estatal. Os organizadores de concertos mais famosos da Europa estavam a competir por eles. “Eu realmente gostaria de gerenciar essas turnés”, escreveu o empresário holandês Geza de Koos a Oleksandr Koshyts. “Concertos organizados sem a minha liderança não lhe trarão os resultados financeiros que lhe ofereço”, disse um representante da agência londrina Keith Prowse & Co. Ltd ao maestro. ‘

No final, os ucranianos concordaram com Joseph Schurman, um empresário famoso que já havia genenciado turnés de Enrico Caruso, Isadora Duncan, Adelina Pati, operetas francesas e inglesas e outras estrelas do palco mundial. Ele ofereceu aos ucranianos apresentações numa das salas de concerto mais prestigiadas de Paris — o Teatro dos Campos Elísios (em francês: Théâtre des Champs-Élysées), seguido de turnés a outras cidades europeias.

A abertura da temporada ucraniana em Paris reuniu a nata da sociedade francesa: o general Maurice Pelle, a bailarina Isadora Duncan, o diretor do Teatro Jacques Hebertot, compositores famosos e críticos de música. “Smokings, casacas, vestidos de costureiros famosos. Perfumes e diamantes da Rue de la Paix… Limusines e Rolls-Roisses com motoristas de libré e, muitas vezes, com coroas em chapéus farfalham sob a porta do teatro “, escreveu com entusiasmo o correspondente da revista ucraniana”Volia”. Como sempre, o público pediu um bis de obras de Mykola Leontovych.

Autógrafo de Isadora Duncan no livro de reações do coro. Fonte: Biblioteca Nacional da República Checa — Biblioteca Eslava (Praga)

Cartaz dos concertos do Teatro dos Campos Elísios em janeiro de 1921. Fonte: T. Peresunko "Diplomacia cultural de Symon Petliura..."

Isadora Duncan

Isadora Duncan escreveu no livro de reações do coro “Bravo!” e convidou Oleksandr Koshyts a cooperar.

“Ela ofereceu combinar a sua arte com a nossa e formar uma sinfonia de coreografia com canto coral”, escreveu Oleksandr Koshyts num relatório ao governo ucraniano. Figuras russas famosas em Paris, como o empresário Serguei Diaghilev e o compositor Igor Stravinsky, também queriam “se conectar” com o canto ucraniano. “Eles propuseram federação (união — ed.)”, ironizou o maestro. “Nós evadimo-la.”

Igor Stravinsky
Compositor, diretor de orquestra, pianista e escritor de origem cossaca ucraniana, nascido na Rússia. Antes que a Rússia anexou a Polónia, o seu sobrenome era Stravinsky-Sulyma. Em vários períodos, trabalhou e viveu na Rússia, Ucrânia, França, Suíça e nos Estados Unidos. Na cidade de Ustyluh, em Volyn, tem uma casa-museu de Igor Stravinsky.

Coreógrafo russo de balé Serguei Diaghilev

Compositor Igor Stravinsky

Em 23 de janeiro de 1921, no domingo, os ucranianos dão o último concerto matinal de uma série de estreias parisienses no Théâtre des Champs-Élysées. “Uma grande e invencível nação de ucranianos merece a amizade de todos os povos livres”, reage o crítico e dramaturgo francês Adolphe Aderer no jornal Le Petit Parisien no mesmo dia.

Mas nenhum dos presentes no concerto nem podia pensar que, na manhã do mesmo dia, na região de Podillia ocupada pelos bolcheviques, um agente da Cheka russa (Comissão Extraordinária de Combate à Contra-Revolução e Sabotagem de Toda a Rússia) matou Mykola Leontovych com um tiro de carabina. O assassino falava “russo, língua de soldado”, lembrou o pai do compositor. Mykola Leontovych nunca terminou a sua ópera…

A casa com marca do lugar onde Mykola Leontovych foi baleado. Fonte: Museu Regional Etnográfico de Vinnytsia

Retrato póstumo do compositor (artista Boris Roerich), 1921

Porque há um povo no mundo que não precisa de “uma grande e invencível nação de ucranianos”. Ela precisa de uma “Rússia sem limites”.

“Os adeptos da independência tentam fazer alguma demonstração política com o seu “patrocínio “do coro do Sr. Koshyts”, escreveu o correspondente do jornal russo local Obshcheie delo (“Assunto comum” — tr.) sobre as apresentações ucranianas em Paris, “mas, na verdade, os presentes no concerto do coro ucraniano, recebendo grande prazer artístico, devem mais uma vez ser convencidos apenas da diversidade e amplitude da criatividade artística em diferentes regiões da Rússia sem limites”.

Fonte: T. Peresunko "Diplomacia cultural de Symon Petliura..."

Fonte: T. Peresunko "Diplomacia cultural de Symon Petliura..."

O aparecimento de “Shchedryk” nos Estados Unidos

Acabando por não ter recebido apoio internacional para a Ucrânia, em setembro de 1922, o coro de Oleksandr Koshyts deixou para sempre a Europa e mudou-se para os Estados Unidos. Em poucos meses, nos territórios da Ucrânia, Belarus, Arménia, Geórgia e Azerbaijão ocupados pela Rússia, os bolcheviques proclamam a criação de um novo império russo — a URSS.

É assim que “Shchedryk” chega ao continente americano. Após o assassinato do autor desta obra e a ocupação russa da Ucrânia. E também depois que a música se tornou uma marca musical da Ucrânia em dez países da Europa Ocidental.

Mas a Ucrânia não estava mais no mapa político do mundo. O governo ucraniano não podia apoiar as visitas ao exterior do coro de Oleksandr Koshyts. Não havia recurso para isso: nem dinheiro nem canais diplomáticos. Washington oficial não reconheceu a independência ucraniana e não aceitou a missão diplomática da RPU que veio aos EUA em 1919. O único e eficaz canal para popularizar a ideia ucraniana continuou a ser a arte.

O famoso empresário americano Max Rabinow (1878-1966) organiza turnés de coristas ucranianos nos Estados Unidos. Ele nasceu na cidade de Mahilou (agora o território da Belarus), onde muitos ucranianos viviam, então desde a infância ele podia ouvir a língua e as canções ucranianas. Quando acidentalmente se deparou com concertos do coro na Europa, ele imediatamente ficou entusiasmado com a ideia de organizar a sua turné pela América.

“Ouvi um coro nacional ucraniano em cinco países diferentes da Europa”, disse ele em entrevista ao The Washington Times, “e cada vez eles recebiam uma ovação de pé que eu raramente tinha visto. Decidi: a América deve conhecer esta bela arte. ”

Folheto da turné do coro de Oleksandr Koshyts nos Estados Unidos com a imagem de Max Rabinow. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Foto da chegada de cantores ucranianos em Nova Iorque. Fonte: Biblioteca do Congresso dos EUA

Em 26 de setembro de 1922, cantores ucranianos chegam a Nova Iorque no grande navio transatlântico “Caronia” e imediatamente mergulham na vida em turné. Durante uma semana inteira, eles gravaram as melhores músicas do seu repertório nos discos da gravadora “Brunswick Records”, incluindo “Shchedryk”.

E embora o estúdio então não tenha gravado oitenta cantores (esta era a composição do coro durante os concertos europeus) e nem mesmo cinquenta (que vieram para a América), mas apenas cerca de vinte coristas selecionados, esta gravação de áudio da música de Mykola Leontovych é uma prova única da primeira performance nos Estados Unidos da melodia da futura Carol of the Bells.

Eventualmente, chega o dia da estreia. Em 5 de outubro de 1922, a sala de concertos mais prestigiada de Nova Iorque, Carnegie Hall, atrai milhares de pessoas que querem ouvir o canto ucraniano: músicos americanos famosos, políticos e a imprensa. Além disso, o salão está cheio de ucranianos. Desde 1919, eles têm estado ativamente a torcer pelos seus compatriotas na Europa, seguindo as críticas da sua turné na imprensa. Hoje eles chegaram ao concerto não apenas de Nova Iorque e dos subúrbios, mas também de todos os estados vizinhos.

“Que Deus permita que a liberdade da Ucrânia seja conseguida pelo canto na terra livre de Washington!”, escreveu o padre ucraniano local Lev Sembratovych no jornal “Svoboda” na véspera do evento.

Anúncio do concerto do coro ucraniano no Carnegie Hall no jornal ucraniano da América "Svoboda"

Assim a “shchedrivka” de Mykola Leontovych soou pela primeira vez no continente americano. “Flores afluíram no palco…”, escreveu um colunista do jornal de Nova Iorque The Sun. — O público apoiou a recepção com uma grande ovação. “Shchedryk” foi convocado para um bis.

Folheto Carnegie Hall em 5 de outubro de 1922. Fonte: Carnegie Hall Rose Archives

O programa da estreia ucraniana que inclui "Shchedryk". Fonte: Carnegie Hall Rose Archives

Colagem de avaliações da imprensa americana sobre concertos do coro ucraniano nos Estados Unidos

Nos dias seguintes, os críticos de música de Nova Iorque expressaram a sua admiração.

“Este canto coral cativou-nos”, escreveu o correspondente do The Globe and Commercial. — Vi [Yasha] Heifetz e Sophie Braslau (uma famosa violinista e solista da Metropolitan Opera. — ed.) em pé gritando saudações. Vi pessoas comuns sentadas no parterre e jogando flores para os cantores. Quem disse que os nova-iorquinos não sabem aplaudir?..”.

Um colunista do The New York Times escreveu sobre a diversidade e riqueza da cultura musical da Ucrânia. O New York Herald chamou o coro ucraniano de “uma novidade excepcional na vida musical de Nova Iorque”.

O único comentário é de Henry Krehbiel, crítico de música do The New York Tribune. Ele estava “encantado com o entretenimento que os ucranianos apresentaram”, mas desapontado com as obras demasiado longas de artistas russos.

Isso mesmo, artistas russos. Afinal, o empresário Max Rabinow conseguiu “federalizar” ucranianos com russos. Um nativo do antigo Império Russo, que trouxe a orquestra de balé russa e o balé de Anna Pavlova para os Estados Unidos, estava mais próximo da ideia de “grande cultura russa” do que do projeto da Ucrânia independente. Então ele incluiu ao coro ucraniano duas cantoras russas — o solista da Ópera de Petrogrado Oda Slobodska e Nina Koshyts da Ópera de Moscou (na verdade, uma ucraniana, sobrinha de Olexander Koshyts). Entre as canções ucranianas, eles apresentaram obras de compositores russos — Modest Mussorgsky, Mikhail Glinka, Serguei Rachmaninoff e outros. No entanto, como os críticos americanos observaram, durante essas longas composições, o público ficou entediado e pediu músicas ucranianas.

Coro ucraniano durante turnés americanas. No centro está a cantora Nina Koshyts. Fonte: Centro Histórico e Educacional Ucraniano (Somerset, EUA)

Por conta dessa “fusão”, a imprensa americana passou a chamar todos os cantores ucranianos de russos, e a Ucrânia de Pequena Rússia (eng. Little Russia). Os coralistas ficaram indignados. “Os seus jornais chamam-nos de russos”, reclamou o tenor do coro Leonid Troitskyi em entrevista ao The Dallas Morning News, “mas eles estão enganados — somos ucranianos, embora os soviéticos governem o nosso país”.

O presidente Symon Petliura não parou de enfatizar a missão ucraniana do coro. “Quando for entrevistado”, escreveu ele ao maestro Koshyts na véspera da chegada do coro aos Estados Unidos, “fale imperceptivelmente: a música ucraniana – uma canção – independente – própria – diferente – peculiar – faz parte da Ucrânia independente”.

Após a estreia em Nova Iorque, os ucranianos continuam a fazer turnés em Chicago, Washington, Filadélfia, St. Louis e outras cinquenta grandes cidades dos Estados Unidos. O coro apresentou-se não apenas nas mais prestigiadas salas de concerto, mas também nas luxuosas salas de aulas de famosas universidades americanas (Yale, Princeton, etc.).

Folheto promocional de turnés ucranianas nos Estados Unidos, 1922. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

“Nós nem suspeitávamos que eles tinham um conhecimento perfeito da arte”, admitiu o correspondente do jornal americano St. Louis Globe Democrat. “Alguém canta apenas com a sua voz, mas este povo — com a sua própria história”, reagiram os críticos ao The Pittsburgh Post. “Esta performance é o epítome da mais alta forma de arte”, escreveu o reitor da Universidade de Princeton, John Grier Hibben, para Max Rabinow. — O nosso público de Princeton cumprimentou os cantores com entusiasmo.

Para conquistar ainda mais o afeto do público americano, o maestro Oleksandr Koshyts resolveu estudar várias músicas de compositores americanos com o coro. Além de “Shchedryk” e outras composições ucranianas, os coristas começaram a tocar durante turnés a música “Oh, Suzanna!” e Velhos em Casa (ing. Old folks at home) escrita pelo “pai da música americana” Stephen Foster (1826-1864), bem como a música “Escute os cordeiros” (eng. Listen to the Lambs) do compositor afro-americano Robert Nathaniel Dett (1882–1943).

Diretor do coro ucraniano Oleksandr Koshyts. Fonte: Academia Livre Ucraniana de Sciencias (Nova Iorque, EUA)

Compositor afro-americano Robert Nathaniel Dett

Durante um concerto do coro na Universidade de Hampton (naquela época — uma instituição apenas para estudantes negros), Oleksandr Koshyts, fascinado pelo talento de Nathaniel Dett, beijou-o no palco. Foi um choque para os presentes — “um branco beijou um negro!”. Os gerentes americanos que acompanharam o coro na turné fizeram comentários ao maestro ucraniano. Mas ele ignorou, “Estou feliz pelo que fiz”, escreveu ele no seu diário, “e quando for preciso, farei de novo!” Para os mensageiros ucranianos, que lutaram tanto pela liberdade do seu povo, era inaceitável tratar outras nações arrogantemente, especialmente os oprimidos.

Segregação racial
Na América, houve segregação racial (separação forçada da população branca de outros grupos étnicos), que foi oficialmente introduzida na segunda metade do século XIX e durou até ao final do século XX. No entanto, as consequências desse fenômeno ainda são perceptíveis, especialmente para os negros.

Tudo isso impressionou os críticos americanos, que escreveram: “O coro ucraniano demonstra o verdadeiro espírito da liberdade americana”. Embora, na verdade, fosse uma demonstração do espírito de liberdade e invencibilidade ucraniana. Afinal, além de lutar pela sua identidade cultural e estabelecer um diálogo cultural com o mundo, os coristas continuaram a torcer pela independência da Ucrânia, enviando dinheiro dos seus shows americanos para o exército ucraniano pessoalmente a Symon Petliura. Ele preparou uma revolta nas terras ucranianas ocupadas e reportou aos cantores por cada dólar.

“Decidi organizar os novos cursos para os oficiais superiores do Estado-Maior usando as doações da capela”, escreveu ele em fevereiro de 1923  numa carta ao maestro Oleksandr Koshyts sobre os US $160 recebidos. Ele também parabenizou os membros da capela pelo “quinto aniversário da estatalidade ucraniana” e assegurou: “Aqui no “Velho” Mundo, acompanhamos as suas performances, regozijamos-nos na sua glória e enviamos os nossos melhores sentimentos e bênçãos”.

Symon Petliura

Correspondência entre Symon Petliura e Oleksandr Koshyts, 1923–1924. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Oleksandr Koshyts

Glória no outro lado do oceano e o “inverno russo” em casa

Durante 1923–1924, o coro ucraniano apresentou-se em 115 cidades em 36 estados dos EUA, e também no Brasil, Canadá, México, Uruguai, na Argentina, e Cuba. Os coristas chegaram até mesmo ao estado insular de Trinidad e Tobago. Em todos os lugares, eles ganharam fama e reconhecimento pela cultura ucraniana. O sucesso dos shows foi “Shchedryk”, além de ser também um teste para tradutores locais. Em Buenos Aires, a música chama-se “Shchelryk”, em São Paulo — “Stehedryk”.

Presidentes e ministros, compositores e maestros famosos visitaram concertos ucranianos. Mais de 2.000 opiniões sobre a cultura ucraniana apareceram na imprensa estrangeira, e o número de simpatizantes da música ucraniana aumentou exponencialmente. Quarenta mil pessoas assistiram a um dos shows na Cidade do México.

Cantores ucranianos durante um concerto na Cidade do México, em dezembro de 1922. Fonte: Arquivo Central do Estado das Altas Autoridades da Ucrânia

Como na Europa, a andorinha de Leontovych continuou a transmitir aos ouvintes estrangeiros não apenas a arte ucraniana, mas também a ideia de uma Ucrânia independente. “Cante, Ucrânia cativa! Cante, chilreadora! — escreveu o acadêmico brasileiro Henrique Coelho Neto após a estreia de “Shchedryk” no Rio de Janeiro. — A primavera virá até ti, que estás à espera!”.

Mas os ucranianos teriam que esperar pela própria primavera por muito tempo. Porque na Ucrânia houve um “inverno russo”. Os ucranianos não podem resistir sozinhos, sem qualquer apoio do mundo. Em maio de 1924, a última missão diplomática ucraniana cessa o seu trabalho na Hungria, ao mesmo tempo em que a missão musical da RPU completa a sua turné.

Dois anos depois, em 25 de maio de 1926, numa das ruas de Paris, o “comandante-chefe e amante da arte” Symon Petliura foi morto por sete tiros no peito. Por mais de meio século, a Ucrânia esteve sob o domínio do Kremlin. Apenas “Shchedryk” permanece à solta.

Assassinato de Symon Petliura
Uma operação planeada pelo Kremlin e realizada pelo anarquista judeu Samuel Schwarzbard para desacreditar a Ucrânia e o chefe do estado ucraniano, acusando-o de antissemitismo. No entanto, Symon Petliura de ordens pessoais para punir os assaltantes aos judeus até a morte, e a Ucrânia naquela época era o único estado do mundo onde a população judaica recebia autonomia pessoal e nacional, enquanto o Ministério dos Assuntos Judaicos pagava indenização às vítimas dos pogroms judaicos.

“Shchedryk” na Broadway

Desde a segunda metade da década de 1920, a famosa canção ucraniana começa a sua própria vida — agora na América. Embora tivéssemos que afastar as tentativas dos russos de se apropriar dela. Afinal, tudo o que o império não destruiu, ela estava a tentar apropriar.

Assim, em 1925, o Coro Russo de Nova Iorque incluiu no seu repertório uma canção já popular nos Estados Unidos (ing. Russian Art Choir). Na sua performance, “Shchedryk” apareceu na Broadway no musical “Canção do Fogo” (eng. The song of the Flame). Entre os criadores do projeto era o famoso compositor americano George Gershwin. O enredo do musical foi baseado na história da revolução na Rússia em 1917. No entanto, para esboços das realidades russas, por algum motivo, o folclore ucraniano foi escolhido. Entre outras, as canções famosas “Hrechanyky”, “O Cossaco Cavalgou Além do Danúbio” e… “Shchedryk”. Elas foram cantadas em ucraniano, mas descritas como russas.

Em 1926, em apoio à distribuição do musical, as melhores canções dele foram gravadas nos discos da gravadora Columbia, incluindo “Shchedryk”. A gravadora afirmou que era uma canção de Natal e, por origem, era uma “canção folclórica russa”. Não houve nenhuma menção do compositor Mykola Leontovych.

Rótulo do vinil com a gravação de "Shchedryk" (A Christmas Carol) realizada pelo Russian Art Choir (Columbia, 1926)

Em 1930, o musical chegou a ser transformado em filme de mesmo nome, indicado ao Oscar pelo melhor som. E embora o vídeo do filme tenha sido perdido, a sua faixa de áudio foi preservada. “Shchedryk” soa lá também.

Cartaz do musical "Canção do Fogo", 1930

A partitura da música The Bluebirds encontrada pelo pesquisador e colecionador Anatolii Paladiichuk

Finalmente, em 1933, apareceu a primeira versão em inglês da “shchedrivka” ucraniana. No entanto, esta não é “Carol of the Bells”, mas a música “Pássaros azuis”. The Bluebirds), escrita por Max Cron (1901–1970) — maestro e compositor americano, na época diretor do Conservatório de Indianápolis. Ele foi o primeiro nos Estados Unidos a fazer uma tradução adaptada de “Shchedryk” em inglês. Também falou sobre pássaros que trazem alegria na primavera:

No entanto, havia um “mas”: o maestro americano indicou na partitura da música que o idioma original da obra era o russo. A comunidade ucraniana nos Estados Unidos reagiu imediatamente a isso, quando os coros americanos começaram a incluir a música no seu repertório. “”Shchedryk” não é uma tradução do russo, mas vem de uma antiga canção de Natal ucraniana”, disse o apelo do jornal ucraniano Svoboda. — Além disso, é estranho chamar Mykola Leontovych de russo, porque ele viveu na Ucrânia toda a sua vida. E em 1921 ele foi morto por um Chekista russo.”

O surgimento de “Carol of the Bells”

E em 1936, “Carol of the Bells” finalmente apareceu — a versão em inglês de “Shchedryk”, que agora é cantada por todo o mundo no Natal.

O autor do texto em inglês adaptado à canção ucraniana é o maestro americano de origem ucraniana Peter Wilhousky (1902–1978). Como explicou mais tarde, ele ouviu a música de Mykola Leontovych performada pelo coro ucraniano (possivelmente uma gravação no disco). Ao mesmo tempo, ele pediu notas aos cantores, porque decidiu tocar “Shchedryk” junto com o seu coro de escola no popular programa de rádio da NBC “Music Appreciation Hour with Walter Damrosh”.

“Como os jovens não cantavam em ucraniano”, Wilhousky escreveu mais tarde numa carta ao musicólogo ucraniano Roman Savytskyi, “eu tive que escrever um texto em inglês. Removi as palavras ucranianas sobre “shchedryk” (pássaro doméstico) e, em vez disso, concentrei-me no alegre toque dos sinos que ouvi na música. ” Assim, a andorinha ucraniana transformou-se em sinos americanos, e “Shchedryk” transformou-se em “Carol of the Bells”.

Maestro e compositor americano Peter Wilhousky

Fragmento da partitura de Carol of the Bells, 1936. Fonte: Instituto Leontovych

Após a estreia na rádio, lembrou Peter Wilhousky, professores de música de diferentes partes dos Estados Unidos inundaram-no com pedidos para enviar notas. Então, em novembro de 1936, ele publicou “Shchedryk” na editora de música de Nova Iorque Carl Fischer, nomeando a música “Carol of the Bells”. Na partitura da música estava indicado: uma “koliadka” ucraniana (natalina); música — M. Leontovych; letras e arranjos — P. Wilhousky. No entanto, o arranjo de Wilhousky consistia apenas em adicionar um piano à partitura de “Shchedryk”, que, como indicado nas notas da canção, era necessário “apenas para ensaios”. No entanto, essa parte musical veio da melodia de Leontovych.

Desde então, lembrou Peter Wilhousky, “Carol of the Bells” tornou-se uma canção mais vendida. “O meu motivo não era comercial”, observou ele. “Eu só queria tocar uma boa música.” E ele conseguiu.

Depois de 1936, a música ganha um novo fôlego e mais uma vez ganha fama mundial. É executada pelos coros mais famosos da América e do mundo, aparecem versões orquestrais da música, performances de rock, padrões de jazz, electro, techno, disco, metal — hoje existem milhares de arranjos diferentes. Os intérpretes notáveis incluem o Coro do Tabernáculo Mórmon, o Pentatonics, Piano Guys, a Orquestra Filarmônica de Nova Iorque liderada por Leonard Bernstein, o guitarrista americano El di Meola, o tenor de ópera espanhola Plácido Domingo e muitos, muitos outros.

A melodia de Mykola Leontovych também conquistou o cinema americano. Desde a década de 1930 e até agora, a música tem soado em mais de uma centena de filmes e programas de televisão americanos. Entre os mais famosos são “Home Alone”, “Muppet Show” ,“South Park” e muitos outros.

Além disso, é um sucesso da indústria publicitária. Desde pelo menos 1973, as marcas americanas e mundiais mais famosas usam a melodia de Mykola Leontovych nas suas campanhas publicitárias. Entre elas são Coca-Cola, Burger King, IKEA, Amazon, Walmart, Victoria ‘s Secret, Honda, Audi, Toyota, Audi e muitas outras.

Na década de 1920 “Shchedryk” ganhou fama mundial precisamente como uma canção ucraniana, porém, com a sua transformação em “Carol of the Bells”, a obra deixa de ser associada à Ucrânia. Embora Peter Wilhousky tenha mencionado nas notas que esta é uma canção de Natal ucraniana, a música tornou-se americana para o mundo. E nos círculos musicais profissionais, era muitas vezes considerada uma “canção folclórica russa”. Afinal, na verdade, tudo o que vinha da URSS era russo para os ocidentais. Assim, um popular coro americano sob a direção do maestro Robert Shaw, na sua coleção “Christmas Hymns and Carols” (1946), forneceu uma anotação interessante para “Carol of the Bells”: “Uma típica canção folklórica russa atribuída a Leontovych, o compositor sobre o qual não conseguimos encontrar nenhuma informação.” E isso não é surpreendente. Era difícil saber alguma coisa sobre o autor da canção de sucesso de Natal mais popular da América, não apenas do outro lado do oceano, mas também na sua terra natal.

Hinos e cânticos de Natal de Robert Shaw, 1946

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Descrição da canção "Carol of the Bells"

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“Carol of the Bells” para a América, terror para a Ucrânia

Em 1928, as autoridades de ocupação russas na Ucrânia liquidaram o “Comité de Memória de Mykola Leontovych” criado no nono dia após a morte do compositor por causa da “linha nacionalista ucraniana” seguida por ele. Ao mesmo tempo, o nome do artista foi declarado “irrelevante para a era soviética”. Logo, quase 200.000 ucranianos foram considerados “inúteis” e “prejudiciais”. Foi assim que muitas figuras ucranianas foram presas ou baleadas durante o Grande Terror de Stalin em 1937–1938 — o terror que começou exatamente um ano após a estréia de “Carol of the Bells” em Nova Iorque.

Enquanto os coros americanos estudavam as notas do cântico ucraniano, Moscou livrou a Ucrânia de “chauvinistas” mais uma vez. Em apenas uma semana (de 28 de outubro a 4 de novembro de 1937), quase duzentos representantes da intelligentsia ucraniana foram fuzilados na floresta de Sandarmokh, no norte da Rússia. Entre eles foram o famoso diretor de teatro Les Kurbas, o poeta neoclássico Mykola Zerov, o ex-primeiro-ministro da RPU Volodymyr Chekhivskyi, o crítico literário e ministro da cultura Antin Krushelnytskyi com filhos e muitos, muitos outros. Ao mesmo tempo, Petro Stetsenko, o único cantor do coro da RPU que ousou retornar à sua terra natal ocupada, também foi morto — em 1937, foi torturado numa das prisões de Kherson pelo passado no coro ucraniano.

Além disso, houve o terror bolchevique da década de 1920, o Holodomor de 1932–1933, as repressões e deportações do pós-guerra da década de 1940. Somente com a morte de Stalin e o “degelo de Khrushchev” da década de 1960, a Ucrânia “aqueceu” um pouco. Ao mesmo tempo, pela primeira vez na enciclopédia soviética, o nome de Oleksandr Koshyts foi mencionado, embora enfatizassem que o maestro nos seus discursos “assumia declarações nacionalistas”. No entanto, a verdadeira primavera cultural chegou à Ucrânia apenas no início dos anos 90, quando “Shchedryk” voltou para casa, embora já em inglês.

Degelo de Khrushchev
Nome descritivo do período da segunda metade dos anos 50 - o início da década de 1960, quando Nikita Khrushchev chegou ao poder após a morte de Joseph Stalin. Característico dessa época foi a desestalinização e liberalização da vida.

Em 1990, a comédia de Natal “Home Alone” foi lançada nas telas dos cinemas mundiais. Os ucranianos também a viram. Muitos deles só naquela época ouviram a música de Mykola Leontovych pela primeira vez. E tudo porque, em 1921, a Rússia roubou da Ucrânia não apenas a independência, mas também a cultura.

“Tendo caído sob o calcanhar do Kremlin, a Ucrânia nem sabia sobre a sua vitória cultural mundial”, disse Yurii Lavrinenko, crítico literário ucraniano e compilador da antologia “Renascença fuzilada”, em 1962, em direito da Radio Liberty, sobre o triunfo da canção ucraniana.

Finalmente, em agosto de 1991, a Ucrânia restabeleceu a independência do estado e, com ela, o acesso aos arquivos da RPU. Entre os casos anteriormente proibidos para revisão estavam os materiais do coro de Oleksandr Koshyts: inúmeras opiniões publicadas da imprensa mundial, cartazes, correspondências e fotografias. Tudo isso foi coletado pelos cantores durante as turnés e enviado ao governo da RPU.

Foi com base nesses materiais que foi possível recriar a história até então desconhecida duma das canções ucranianas mais populares do mundo. Embora o testemunho do maestro Oleksandr Koshyts também tenha sido eloquente. Ele escreveu nas suas memórias sobre as turnés mundiais do coro: “Shchedryk foi o ponto culminante do nosso repertório em todas as regiões por 5,5 anos”.

Coro Nacional Ucraniano de Oleksandr Koshyts em Buenos Aires, Argentina. Junho de 1923

100 anos de “Shchedryk”: uma nova guerra pela independência da Ucrânia

Hoje, a música de Mykola Leontovych continua a viver e inspirar. Todos os anos no Natal, novos arranjos de “Carol of the Bells” aparecem. Embora ainda existam muitos intérpretes no mundo que não sabem nada sobre o compositor ucraniano, e ainda mais sobre a RPU. A história desta era de estado ucraniano dificilmente pode ser encontrada em livros didáticos estrangeiros de história mundial. Mas o mundo está bem ciente da atual luta da Ucrânia pela independência, porque a Rússia ainda não se reconciliou com a nossa existência.

Postal americano de Natal e Ano Novo do início do século XX. Da coleção privada de Anatolii Paladiichuk

Em 2022, teríamos que celebrar solenemente o 100º aniversário da estreia americana de “Shchedryk” e o 145º aniversário do nascimento de Mykola Leontovych, mas estamos a lutar novamente. Porque, como a história tem mostrado, há um império no mundo que não precisa de “uma grande e invencível nação de ucranianos”, precisa de “Rússia sem limites”.

Em 24 de fevereiro de 2022, o ditador russo Putin declarou que “a Ucrânia não existe” e começou a sua “libertação dos nazistas”. Na manhã de 25 de fevereiro, o primeiro míssil russo atingiu um bairro residencial de Kyiv. Ela atingiu uma casa na rua com o nome de Oleksandr Koshyts, o mesmo maestro que há 100 anos provou ao mundo que a Ucrânia existe. E alguns dias depois, o famoso músico ucraniano Andrii Khlyvniuk gravou uma marcha de fuzileiros “Ó, há um viburnum vermelho no prado” na Praça de Sofia, em Kyiv. Uma nova canção entrou na arena internacional da luta ucraniana pela independência. Foi performada pelo Pink Floyd e centenas de outros músicos famosos em todo o mundo.

No entanto, desta vez todo o mundo democrático está solidário com a Ucrânia: política, militar e economicamente. E desta vez a Ucrânia vencerá. E o incrível “Shchedryk” de Mykola Leontovych continuará a ser ouvido todos os anos no Natal. Em todos os cantos do nosso planeta. Como um generoso presente da Ucrânia para o mundo. Como garantia dum lugar digno para os ucranianos no círculo dos povos livres do mundo.

Material preparado por

Fundador do Ukraïner:

Bogdan Logvynenko

Autora,

Pesquisadora do tema,

Roteirista:

Tina Peresunko

Editor de foto:

Yurii Stefaniak

Editora Chefe do Ukraïner Internacional:

Anasstacía Marushevska

Agradecimentos especiais:

Mykola Noçok

Tradutora:

Lada Filatova

Editor de tradução:

Guilherme Rett

Gerente de conteúdo:

Leila Ahmedova

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